16.11.2014
Pr 31,10-13.19-20.30-31
Sl 127 (128)
1Ts 5,1-6
Mt 25,14-30
O Domingo é o Dia do Senhor. Esta afirmação, aparentemente tão óbvia, precisa ser de novo proclamada aos ouvidos dos fiéis do nosso tempo. Se, na Igreja dos Mártires, a consciência da centralidade do Domingo, como celebração da Páscoa Semanal, estava acesa na mente de todos os fiéis, hoje já não podemos dizer o mesmo…
A segunda leitura fala-nos da vinda do “Dia do Senhor”. São Paulo fala que esse dia virá “como um ladrão”, ou seja, sem prévio aviso. Cada domingo é como que uma antecipação desse “Dia” que virá. Experimentamos o Cristo vivo que vem ao nosso encontro da liturgia, e que virá no fim dos tempos instaurar definitivamente o seu Reino no meio de nós.
Cada Domingo é, então, para nós, uma antecipação do “dia escatológico”. Todavia, para que este “dia definitivo”, do qual cada Domingo é sacramento e profecia, não nos surpreenda desprevenidos, São Paulo nos adverte para que estejamos “vigilantes” e “sóbrios”. A melhor tradução seria “vigiemos” e “sejamos sóbrios”, porque São Paulo se utiliza aqui de dois verbos, o verbo gregoreo e o verbo nepso. Gregoreo significa “estar acordado”, em “estado de vigília”. Nepso significa “ser sóbrio, abster-se de vinho, ser sábio, prudente”. Porque “não somos da noite”, não podemos “dormir” como os outros, ou seja, não podemos viver a nossa vida de qualquer maneira. “Somos do dia” e, por isso, devemos “estar acordados” e “sóbrios”, aguardando a vinda do Senhor e vivendo cada dia como se fosse o último, como se fosse já o dia de ir ao encontro do Senhor.
Devemos estar conscientes de que o Senhor voltará! Quando fazemos essa afirmação devemos pensar em dois momentos. O primeiro deles é o dia do nosso juízo particular. Naquele dia, no dia da nossa morte, nós estaremos acolhendo pessoalmente “a vinda do Senhor”. Todavia, existirá também o juízo universal, quando Cristo voltar e julgar a humanidade, estabelecendo definitivamente o seu Reino no meio de nós.
É com o olhar voltado para esse duplo momento da “vinda do Senhor” que nós acolhemos o evangelho deste domingo. Trata-se aqui de uma parábola cujos personagens são: um homem, rico senhor que confia aos seus funcionários os seus bens; e três empregados, sendo que apenas dois, ao receber o dinheiro do seu patrão, o multiplicam, o terceiro, amedrontado, enterra o dinheiro, para devolvê-lo “intacto”, mas também “não multiplicado”, depois.
O texto fala de uma volta desse senhor. Nessa volta, o senhor chama seus empregados, a fim de acertar as contas com cada um deles. Os que multiplicaram os talentos recebidos são premiados e a eles é dita uma frase estereotipada que se repete nos vv. 21 e 23: “Vem participar da minha alegria!” Ao empregado que não multiplicou o dinheiro do seu patrão, este último diz, ao contrário, uma frase de condenação: “Servo mau e preguiçoso!” A ordem final do patrão completa a condenação: “Quanto a este servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão. Ai haverá choro e ranger de dentes!”
O Evangelho é uma imagem do final dos tempos. O senhor da parábola, que viaja para o estrangeiro e volta depois de muito tempo, é uma imagem do Cristo que, tendo Ressuscitado, subiu para junto do Pai e de lá enviou sobre a Igreja o seu Espírito, doador de todos os dons. O acerto de contas é o dia do juízo, onde Cristo vai premiar e introduzir na sua “alegria”, ou seja, no “seu Reino”, os que multiplicaram os talentos, os que colocaram os dons recebidos do Espírito Santo a serviço do crescimento do Reino. Os que enterraram seus dons, ao contrário, e não multiplicaram o tesouro recebido do Cristo, serão lançados fora, condenados.[1]
A primeira leitura e o Evangelho sempre estão conectados na liturgia dominical. A primeira leitura de hoje nos apresenta um exemplo concreto de quem procura “multiplicar os seus talentos” à espera do Reino que há de vir. Trata-se de um texto do final do livro dos Provérbios, o elogio da mulher “forte”. Essa mulher “forte”, que vale mais que as “jóias”, é um exemplo prático de alguém que vive na perspectiva de “multiplicar seus talentos”, ou seja, de comportar-se com sabedoria, vivendo as virtudes próprias do seu estado de vida, no caso da leitura acima, no matrimônio. O encanto dessa mulher não está na sua beleza, porque esta é passageira, mas sim no seu “temor ao Senhor”.
Todos nós somos instados por Deus a multiplicar os talentos que Ele mesmo nos confiou. Como diz o salmista, seremos “felizes”, aqui e na outra vida, se “temermos o Senhor” e “trilharmos seus caminhos”. Multiplicar os dons recebidos do alto, colocando-os a serviço do Reino, é uma forma concreta de viver o “temor do Senhor” e de “trilhar por seus caminhos”.
Chegando ao final do ano litúrgico, a liturgia nos traz esses textos da Escritura que nos recordam que a vinda do Senhor será, também, um dia de juízo. Deveremos dar contas a Deus do que fizemos com a vida e com os dons que Ele nos deu. Isso não deve gerar “medo” em nós, mas, sim, sentimento de “responsabilidade”. Recebemos de Deus um grande dom, o dom da nossa vida. E nossa vida veio ornada com outros tantos dons com os quais Deus quis nos agraciar. Ninguém pode dizer que não recebeu de Deus dons que ornam a sua existência! Quem não os encontrou ainda em si, é porque talvez não se tem olhado com justiça. Devemos enxergar com sinceridade em nós esses dons com os quais quis Deus nos agraciar e devemos colocá-los a serviço do Reino, com espírito de ação de graças. De graça recebemos esses dons e de graça os colocamos a serviço de Deus e dos irmãos (cf. Mt 10,8). Nossa recompensa virá só quando Nosso Senhor, a quem esperamos, vier na sua glória. O prêmio será sua boa palavra, seu doce convite: “Vem participar da minha alegria!”.
[1] Cf. BARBAGLIO, Giuseppe et allii. Os Evangelhos I. pp. 367-369.