1ª Leitura: At 2,42-47
Sl 117
2ª Leitura: 1Pd 1,3-9
Evangelho: Jo 20,19-31
“Ó Deus de eterna misericórdia, que reacendeis a fé do vosso povo na renovação da festa pascal, aumentai a graça que nos destes. E fazei que compreendamos melhor o batismo que nos lavou, o Espírito que nos deu vida nova e o sangue que nos redimiu.”[1]
A coleta da celebração eucarística deste domingo nos ilumina neste tempo feliz da Páscoa do Senhor. Assim como o círio pascal foi aceso no fogo novo, abençoado na noite santa na qual a Igreja celebra a Mãe de todas as Vigílias, nós também temos a chama da nossa fé “reacesa”, cada ano, na celebração da Páscoa do Senhor. Mesmo distantes de nossas comunidades de fé, em virtude da triste pandemia que vivemos, estamos espiritualmente unidos em Cristo.
Na liturgia da Palavra deste domingo, a primeira leitura é um trecho do livro dos Atos dos Apóstolos que vai nos acompanhar durante todo o tempo pascal. Lucas sintetiza para nós, neste livro, o que era a vida das primeiras comunidades cristãs, como elas viviam o mistério da páscoa do Senhor. Nós trecho proclamado neste domingo, ouvimos que as primeiras comunidades viviam unidas em torno de um núcleo litúrgico que dava sentido à toda vida: “eram perseverantes em ouvir os ensinamentos dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações”. Esse era o núcleo da vida das primeiras comunidades: estavam unidos em torno da doutrina, da comunhão, das orações, tendo como ápice a Eucaristia (fração do pão). Desse núcleo litúrgico fundamental brotavam as demais ações da comunidade: a caridade fraterna “viviam unidos e colocavam tudo em comum”; uma vida de ação de graças perene a Deus: “louvavam a Deus”; um testemunho contagiante: “eram estimados por todo o povo”; uma missão que brotava do poder de atração que a vida nova da fé lhes fazia exercer sobre aqueles que os viam: “e, cada dia, o Senhor acrescentava ao seu número mais pessoas que seriam salvas”.
Que a fé brota do mistério da Páscoa do Senhor é o que nos ensina hoje o evangelho, coração dessa liturgia da Palavra. Neste trecho do cap. 20, o Evangelho de João nos relata duas aparições do Ressuscitado, sempre no “primeiro dia da semana”, dia que se tornará mais tarde o “Domingo”, o “Dia do Senhor”. Os apóstolos estão a portas fechadas, encerrados no seu medo, e de repente o Ressuscitado se coloca no meio deles, oferecendo o dom que brotou da sua Páscoa: a paz. Diz o Senhor aos seus discípulos: “A paz esteja convosco”. O Cristo comunica a paz que brotou das suas chagas, do seu sacrifício, por isso Ele imediatamente expõe aos discípulos as mãos e o lado aberto.
A paz do Cristo enche de alegria o coração dos discípulos, que são enviados em missão, para comunicar a outros a paz de Cristo e a alegria da Ressurreição. Cristo os envia como o próprio Pai o havia enviado antes. Os discípulos são enviados na força do Espírito Santo. Cristo lhes dá seu Espírito em vista de uma missão de reconciliação: “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”. É a missão dos apóstolos em perfeita continuidade com a missão do próprio Cristo. Aquele que veio para fazer do que era dividido uma unidade, Aquele que orou pedindo ao Pai que os homens fossem um, como Ele era um com seu pai, agora envia os apóstolos, seus embaixadores, a fim de que continuem seu ministério de reconciliação, para que não se perca nenhum daqueles que o Pai confiou ao Filho Unigênito.
Tomé não está com seus irmãos quando Cristo lhes aparece. Por isso, diante do testemunho dos outros discípulos ele exige uma experiência pessoal: “Se eu não vir as marcas dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. O Senhor não lhe nega a exigência. Oito dias depois, reunidos de novo os discípulos em casa, agora juntamente com Tomé, o Senhor torna a se colocar no meio deles. Cristo comunica de novo a sua paz e convida Tomé a colocar o dedo nas suas chagas: “Põe o teu dedo aqui e olha minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. Tomé prontamente reconhece o Senhor: “Meu Senhor e meu Deus.”
Muitos de nós criticamos a atitude de Tomé. Mas, poderíamos chamar a incredulidade de Tomé de “bendita incredulidade”. Bendita incredulidade que nos valeu o título, dado pelo próprio Cristo, de bem-aventurados. Por causa da incredulidade de Tomé, que só acreditou quanto tocou com suas mãos as chagas gloriosas do Senhor, nós nos tornamos bem-aventurados, bem-aventurados por que cremos “sem ter visto”.
Devemos lançar um olhar ainda para a segunda leitura. A primeira carta de Pedro que ouvimos é, segundo alguns exegetas, pelo menos em parte, uma homilia batismal. Pedro escreve aos “estrangeiros da dispersão”. Nós somos estes “estrangeiros” no mundo. Pedro nos fala do batismo, “novo nascimento”, como um dom da “grande misericórdia” do Pai pela “ressurreição de Jesus Cristo”. O dom do batismo, que recebemos professando a fé, nos fez nascer de novo, nascer de novo para uma “esperança viva”, para uma “herança incorruptível” que está “reservada para nós nos céus”. Graças a fé, nós fomos guardados para a salvação que há de se manifestar nos últimos dias, diz o apóstolo.
Cristo está em nosso meio. Nós somos como aquela assembleia seleta do oitavo dia. Cristo está presente em nosso meio de forma sacramental e nos anuncia a sua paz. Mas, qual é a paz que Cristo nos dá? Com certeza não é a paz que nós imaginamos. Cristo já havia anunciado aos seus discípulos: “Minha paz vos dou, mas não vo-la dou como o mundo a dá”. A paz de Cristo não é a paz do mundo. A paz de Cristo não é a utópica ausência de tribulações. A paz de Cristo é a paz no meio das aflições, como já havia anunciado Pedro na segunda leitura. A paz de Cristo é a certeza da sua presença no meio de nós, soprando sobre nós o seu Espírito de paz, mesmo quando nos encontramos no meio da guerra e do flagelo, seja essa guerra e flagelo interior ou exterior. Essa é a nossa alegria: ela consiste no fato novo e inaudito da ressurreição do Senhor que nos traz paz, porque sabemos que Ele está conosco “todos os dias até o fim do mundo”.
Diante desse mistério o que nos resta senão cantar com o salmista: “Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom; eterna é a sua misericórdia!”? O que nos resta senão proclamar as obras d’Aquele que nos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa? O que nos resta senão oferecer a nossa ação de graças Àquele que nos deu como presente a fé que nos faz nascer de novo para uma esperança viva e uma herança incorruptível. Ofereçamos hoje ao Senhor o nosso louvor Pascal. Ofereçamos ao Pai e ao seu Cristo, na força do Divino Paráclito que nos foi dado pelo Ressuscitado, o nosso Aleluia Pascal, porque eterna é a sua misericórdia!
[1] Coleta do Segundo Domingo da Páscoa Ano A