1ª Leitura: At 2,14.22-33
Sl 15
2ª Leitura: 1Pd 1,17-21
Evangelho: Lc 24,13-35
A coleta desta celebração eucarística nos ilumina neste tempo feliz da Páscoa do Senhor: “Ó Deus, que o vosso povo sempre exulte pela sua renovação espiritual, para que, tendo recuperado agora com alegria a condição de filhos de Deus, espere com plena confiança o dia da ressurreição.”[1] A Páscoa nos traz essa certeza de que ressuscitaremos com Cristo. Essa certeza enche o nosso coração de esperança, pois, se Ele destruiu a morte e ela não tem mais poder de nos reter e dominar, o que mais poderíamos temer?
O evangelho de hoje nos apresenta mais uma das aparições do Ressuscitado a seus discípulos. Era o primeiro dia da semana, dia que mais tarde será chamado de Domingo, em homenagem ao “Dominus”, ao “Senhor Jesus Cristo”. Dois discípulos iam de Jerusalém para Emaús. Aqueles que antes haviam seguido o Cristo até Jerusalém, agora, diante da sua morte, voltam com rosto sombrio, como relata o evangelista, para o seu povoado de origem. Enquanto conversam e falam, talvez, dos seus projetos frustrados, das suas expectativas a respeito de Cristo que não foram correspondidas, o próprio Ressuscitado se coloca no meio deles: uma presença luminosa no meio das trevas daquela triste partilha.
Cristo está ali para abrir novamente os olhos dos cegos, mas agora trata-se de uma cegueira que está no espírito dos discípulos. Diante da pergunta de Cristo a respeito do tema da conversa dos dois a resposta é uma estupefação, porque Jesus não sabia, na opinião dos dois, o que havia acontecido em Jerusalém nos últimos dias. Os discípulos de Emaús lhe respondem: “Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel…” Eles são o retrato da desesperança: “Já faz três dias que todas essas coisas aconteceram”. Nem mesmo o testemunho das mulheres os anima: “A ele, porém, ninguém o viu”.
Os discípulos são chamados pelo Cristo de pessoas “sem inteligência”, “lentas para crer” no que os profetas anunciaram. “Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?” E Cristo lhes “explicava (…) todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele”, começando por Moisés e passando pelos profetas. Cristo se coloca no meio dos dois como o grande exegeta, o grande intérprete do AT, mostrando que tudo convergia para Ele. O Cristo é o centro da história dos homens e é o ponto de chegada de toda a história salvífica, iniciada no Antigo Testamento, mas que atingiu sua plenitude em Cristo.
Os olhos dos discípulos ainda não se abriram e, quando chegam ao povoado, Cristo faz como se fosse mais adiante. Eles, no entanto, o convidam para “permanecer com eles”. Jesus entra, senta-se à mesa, e como que repetindo o gesto da última ceia, toma o pão e dá graças. É neste momento que os olhos dos discípulos se abrem e Eles reconhecem o Cristo no partir do pão. Cristo fica invisível diante deles e eles reconhecem que o coração deles ardia quando o Cristo, pelo caminho, lhes interpretava as Escrituras. “Anastantes”, diz o texto grego, “levantando-se” voltam para Jerusalém a fim de anunciar a seus irmãos “os acontecimentos do caminho”. O Cristo presente que lhes explica as Escrituras e que se dá no pão partido os “ressuscita” interiormente. Reunidos com a comunidade originária eles confirmam a autenticidade da sua experiência, porque o Cristo também havia aparecido a Simão.
O Cristo Ressuscitado, que encontramos na comunidade reunida, segundo ouvimos no Evangelho do domingo passado, é hoje encontrado também na comunidade reunida que parte o pão, ou seja, no banquete da Eucaristia, na nossa festa dominical. É por isso que, nestes tempos de pandemia, tem sido tão doloroso para os cristãos permanecerem dentro de seus lares, sem irem ao lugar habitual de encontro com o Ressuscitado que se apresenta no seio da comunidade, e que se dá a nós na Palavra, nas espécies consagradas e na figura do irmão. Contudo, esse necessário isolamento não nos impede de estar em comunhão nem com o Cristo e nem com irmãos. Quando, no modo que nos é possível, nós paramos e rezamos, Ele está no meio de nós. E, quando o cansaço nos vence, Ele ainda está aí, tomando-nos no colo, consolando-nos em nosso medo e nos dizendo no silêncio do nosso coração que “tudo ficará bem”.
Nós que o reconhecemos ao partir o pão, devemos, à maneira dos discípulos de Emaús, correr para levar a outros este alegre anúncio. O verbo grego “Anastantes” é fundamental nesse texto. É uma flexão do verbo “anistemi”, usado para indicar também a ressurreição, que é chamada “anástasis”. Ao ouvirmos a Palavra de Cristo e ao reconhecermos o Senhor no pão que Ele mesmo reparte para nós, o pão que é seu Corpo Glorioso, nós, como que ressuscitados, nos erguemos e saímos para anunciar aos nossos irmãos que ele está vivo no meio de nós, que Ele nos apareceu, porque cremos na sua presença nos sacramentos, e que estamos cheios de uma renovada esperança pascal que nos enche de alegria, alegria esta que brota da certeza de que Ele está no meio de nós e nos ressuscitará no último dia.
Essa “saída” nós não a podemos realizar agora, mas poderemos realizá-la depois, porque o Cristo quer que sejamos missionários da sua Ressurreição. Talvez por hora, possamos “virtualmente” através das redes sociais, aplicativos de mensagens e até mesmo através de uma ligação sermos missionários da Ressurreição, anunciando a nossos irmãos que não devem deixar a tristeza tomar conta de seus corações, porque o Cristo está vivo!
Abramo-nos à graça deste dia, para que a alegria da ressurreição renove a nossa esperança e faça nascer em nós uma alegria renovada que brota da certeza de que Cristo Ressuscitou e que, com Ele, seremos também nós ressuscitados pelo Pai. Aleluia!
[1] Coleta do Terceiro Domingo da Páscoa Ano A