Sb 12,13.16-19
Sl 85 (86)
Rm 8,26-27
Mt 13,24-43
O Senhor é clemente e fiel (Sl 85,15)
Na sua bondade e compaixão que são infinitas, Deus preparou para nós o Domingo. Nesse dia que chamamos com muita justiça de “Dia do Senhor”, nos reunimos como Igreja, uma assembleia de batizados, para juntos celebrar o Mistério da Páscoa do Cristo. Celebrando este Mistério acolhemos em nosso coração a Palavra de Deus. Eis aqui mais um sinal da imensa misericórdia e bondade do Senhor para conosco: Ele nos fala! Sobretudo na liturgia, Deus nos fala! Ele nos dirige a sua Palavra e nós encontramos na sua Palavra uma “lâmpada para os nossos pés e uma luz para o nosso caminho.” (cf. Sl 118 [119], 105)
Poderíamos começar nossa reflexão deste domingo com a segunda leitura. A segunda leitura é, em geral, uma lectio cursiva, ou seja, começamos a ouvir, por exemplo, uma determinada epístola, e seguimos ouvindo partes desta mesma epístola durante alguns domingos, sem que a temática seja a mesma daquela que aparecerá na primeira leitura e no evangelho que, em geral, se encontram sempre em harmonia.
Temos ouvido há alguns domingos a carta de São Paulo aos Romanos. No trecho de hoje, Rm 8,26-27, Paulo afirma que é o Espírito quem intercede em nosso favor, Ele vem “em socorro da nossa fraqueza”, pois nós “não sabemos o que pedir, nem como pedir”. A liturgia é o momento por excelência do Espírito. Na ação litúrgica o Espírito Santo está sempre presente e é Ele quem ora em nós. Fora da liturgia somos, muitas vezes, tomados por um modo de orar muito diferente, onde nós mesmos ficamos no centro da oração, sem deixar que o Espírito nos revele o que, de fato, nos é necessário.
Na celebração da Eucaristia, a constante invocação do Espírito e a própria disposição das partes da celebração – primeiro a escuta da Palavra e só depois as preces – faz com que a oração deixe de ser instrumentalizada em função daquilo o que “achamos” que precisamos e comece a se tornar aquilo o que ela deve ser: momento, sobretudo, de descoberta da vontade do Senhor e de união com esta mesma vontade, que tudo governa para o bem.
A primeira leitura, o salmo e o evangelho de hoje nos falam da misericórdia de Deus, da sua bondade e clemência, da sua paciência com os homens.
Ouvimos, em primeiro lugar, um trecho do livro da Sabedoria. O texto começa falando do juízo divino, da sua força, do seu poder infinito. Nos vv. 18-19, contudo, o autor sagrado fala que Deus “domina sua força”, julgando os homens com “clemência” e governando-os com “consideração/parcimônia”. No v. 19, o trecho proclamado hoje chega ao seu ápice, pois o agir clemente de Deus leva os homens a uma dupla atitude: o justo deve aprender a ser um “filantropo”, um “amigo dos homens”; os filhos de Deus recebem a esperança de que Deus lhe a graça da “metanóia”, da “conversão” dos seus pecados. Em suma, o agir clemente de Deus nos leva não somente a confiarmos na sua misericórdia, como também nos ensina que devemos ser, para com os outros, expressão viva dessa misericórdia, expressa pelo autor sagrado com o termo “filantropia”, o “amor ao homem”.
O Salmo responsorial proclama, particularmente no v. 15, a grande misericórdia e bondade do Senhor. O v. 15 deste salmo é uma repetição de Ex 34,6. Moisés sobe o Sinai e Deus passa diante dele. O servo de Deus então o proclama: “Deus de compaixão e piedade, lento para a cólera, cheio de graça e fidelidade”. Do mesmo modo, o salmista reconhece a bondade e a clemência de Deus (v. 5) e o proclama como sendo um Deus compassivo e piedoso.
No evangelho Jesus vai ilustrar com uma parábola essa misericórdia e bondade de Deus, já exaltada pela primeira leitura e pelo salmo. Alguns autores costumam dividir o Evangelho de Mateus em cinco partes. Sendo um evangelho escrito, em primeiro lugar, para ouvintes que haviam se convertido do judaísmo para o cristianismo, Mateus o quis apresentar como sendo a Nova Lei, a nova Torá, que continha também cinco partes, os cinco primeiros livros da Escritura, aos quais chamamos de Pentateuco.
Estamos, então, na terceira parte do Evangelho de Mateus, que vai de 11,1 a 13,52. O tema central desta parte do Evangelho é o “mistério do Reino dos Céus”. Há duas semanas ouvimos um trecho do cap. 11, onde o Senhor Jesus louvava ao Pai que escolheu revelar “estas coisas”, ou seja, o “mistério do Reino dos céus” não aos sábios e entendidos, mas sim aos pequeninos. No cap. 13, que está nos acompanhando há dois domingos, encontramos sete parábolas de Jesus sobre o Reino, duas delas acompanhadas de explicações mais ou menos longas, como a do semeador (vv. 1-23) que ouvimos na semana passada e a do trigo e do joio, que é proclamada neste décimo sexto domingo do Tempo Comum.
Além das parábolas, este capítulo 13 de Mateus nos traz alguns ditos de Jesus a respeito do porquê ele fala em parábolas. Nos vv. 10-17, que ouvimos na semana passada, e nos vv. 34-35, que fazem parte do trecho proclamado hoje, Jesus explica o porquê das parábolas. Nos vv. 10-17 Jesus cita Is 6,9-10. É a primeira palavra de Deus dirigida ao profeta depois do relato da sua vocação, que está em Is 6,1-8. O profeta deve anunciar, mas o povo não dará ouvidos. Eles não querem “compreender” a Palavra de Deus anunciada pela boca do profeta. Esse é o primeiro motivo pelo qual Jesus fala em parábolas. Também entre os seus ouvintes existem aqueles que são insensíveis à Palavra, que não querem ouvi-la com atenção, que não querem acolhê-la no coração. Para estes, as parábolas se tornam um desafio a mais, pois não textos diretos, são imagens sobre as quais se deve refletir, para que se chegue ao seu real significado. A explicação clara e detalhada Jesus só a dá para os discípulos, quando está a sós com eles (cf. vv. 18-23 e 36-43). O segundo motivo é explicado à luz do Salmo 78,2: “abrirei a boca em parábolas, proclamarei coisas ocultas desde a fundação do mundo” (cf. Mt 13,35). Com as parábolas Jesus abre aos pequeninos, aos simples, aos que ouvem com atenção sua Palavra, os mistérios do Reino dos Céus.
Neste trecho de Mateus que a liturgia nos apresenta hoje temos três parábolas a respeito do Reino dos Céus: a do trigo e do joio, a do grão de mostarda e a do fermento. A segunda e a terceira nos mostram como o Reino dos Céus possui um início modesto, mas depois cresce e se expande no meio dos homens, até a sua consumação plena quando o Filho do Homem vier sobre as nuvens do céu.
Por razões de brevidade, podemos nos deter hoje sobre a parábola do joio, que é a que ocupa a maior parte do relato evangélico e que está intimamente ligada com a primeira leitura e o salmo, pois ela proclama a misericórdia e a paciência de Deus.
A parábola em si está narrada nos vv. 24-31 e sua explicação se encontra nos vv. 36-43. Cristo semeou no campo do mundo a boa semente. A boa semente é a Palavra, como ouvimos semana passada, mas é também uma imagem para designar os que pertencem ao Reino, em suma, os que foram “regenerados pela Palavra”. A semente do joio é uma semente ruim, não provém de Deus, pois de Deus só provém o bem. O mal é fruto do afastamento de Deus. O diabo semeia uma má semente, uma “palavra maldosa” no meio do mundo, assim como fez no paraíso, enganando nossos primeiros pais por meio de uma “palavra má”. O joio, a planta já em seu crescimento, são aqueles que “pertencem ao Maligno”, ou seja, aos que se deixam conduzir por esta palavra maldosa, de engano, que não conduz o homem à verdadeira vida.
Contudo, como discernir quem é trigo e quem é joio? É por isso que o que semeia a semente, o Cristo, não permite que nos antecipemos no juízo. Assim a parábola proclama que tudo deve crescer junto, porque só no final dos tempos é que o Filho do Homem, o Cristo glorioso que virá, poderá fazer o discernimento enviando os seus anjos para que separem o trigo do joio, conduzindo o trigo para seu celeiro e o joio para a fornalha.
É neste sentido que a parábola proclama a misericórdia e a bondade de Deus. Deus não se antecipa no juízo, mas como ouvimos na primeira leitura, nos governa com “grande consideração/parcimônia”. Deus nos dá em todo tempo possibilidade de conversão. Afinal, nenhum de nós está fadado a ser joio. Na verdade, somos destinados a ser trigo e só nos tornamos joio se definitivamente nos afastamos da Palavra de Deus e preferimos nos deixar conduzir pela palavra mortal do Maligno.
A parábola também nos ajuda a sermos cautelosos em nossos juízos. Se Deus não se antecipa em separar o trigo do joio, porque nós achamos que temos o direito de fazê-lo? É claro que, dependendo da função que ocupamos, no mundo civil ou na Igreja, precisamos dar certas orientações, às vezes afastar pessoas de determinadas situações em virtude deste ou daquele comportamento, o que nunca é feito por um verdadeiro cristão sem uma dor interna muito profunda. Contudo, não podemos determinar que alguém é isso ou aquilo. Deus dá a todos contínuas oportunidades de conversão. Cada um deve usar bem o tempo que tem sobre a terra e aproveitar essas oportunidades que Deus lhe oferece.
Que acolhendo no coração a Palavra deste domingo, a qual nos mostra a misericórdia e a paciência infinitas de Deus para conosco, possamos nos sentir encorajados a nos aproximar sempre d’Ele, sobretudo quando o pecado nos deixar lançados por terra, a fim de que lembremos que o senhor é “misericórdia e bondade”, sempre pronto a nos manifestar seu perdão quando para Ele nos voltamos de todo coração. E que experimentado continuamente a misericórdia de Deus em nossas vidas, possamos ser expressão dessa mesma misericórdia na vida de nossos irmãos.