1ª Leitura: Dn 7,9-10.13-14
Sl 96
2ª Leitura: 2Pd 1,16-19
Evangelho: Mt 17,1-9
Neste domingo, dia do Senhor, a Igreja nos convida a celebrar a Festa da Transfiguração do Senhor. No evangelho de hoje, o Pai nos revela na glória do Filho, que depois será testemunhada por João no seu Evangelho “vimos sua glória” (cf. Jo 1,14); glória esta que também está reservada para nós, seus filhos adotivos. A coleta também nos aponta qual o caminho para que essa glória se manifeste em nós: “escutar o Filho”.
A Palavra de Deus hoje nos apresenta um itinerário para entrarmos nesse processo de configuração com Cristo. O Pai deseja que caminhemos rumo à transfiguração que Ele quer realizar na nossa vida. Assim como o Filho se transfigurou diante de Pedro, Tiago e João, o Pai também deseja transfigurar-nos.
O coração dessa liturgia da Palavra é este evangelho que acabamos de ouvir. Embora o início do versículo tenha sido omitido, Mateus começa dizendo “Seis dias depois…” Nós nos perguntamos: Seis dias depois de quê? Imediatamente nos voltamos para o capítulo anterior, o capítulo 16 e vemos que lá Jesus faz aos discípulos o primeiro anúncio da sua paixão. Assim nos diz o evangelista: “A partir dessa época, Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que era necessário que fosse a Jerusalém e sofresse muito por parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos escribas, e que fosse morte e ressurgisse no terceiro dia. Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: ‘Deus não permita, Senhor! Isso jamais te acontecerá!’ Ele, porém, voltando-se para Pedro, disse: Vai para trás de mim, Satanás! Tu me serves de pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens!”
Os discípulos se escandalizam com o que Jesus lhes diz a respeito do sofrimento que o espera. Pedro não entende e também os outros apóstolos não entendem a linguagem misteriosa da cruz. Os discípulos ficam horrorizados diante de um fim tão atroz que espera o seu mestre. A cruz poderia se tornar para os discípulos um escândalo, ou seja, uma pedra de tropeço. Ao olharem para o crucificado poderiam, ao invés de saírem edificados e prontos a anunciar o evangelho, poderiam ficar tão horrorizados com aquela situação de Jesus que, tropeçando na cruz ao invés de serem edificados por ela, poderiam cair de novo nos seus antigos caminhos.
Cristo quer afastar do coração dos discípulos o escândalo e o horror da cruz, revelando-lhes a glória que até então estava oculta aos seus olhos. Jesus quer ainda, com a transfiguração, mostrar aos discípulos a sua verdadeira glória. Nós ouvimos no primeiro domingo da Quaresma o evangelho das tentações de Cristo no deserto. Uma das tentações do Senhor foi a vanglória. O diabo queria convencer o Cristo a buscar uma glória deste mundo, por isso convidou Jesus a se lançar do pináculo do Templo, para que, diante de todos, os anjos de Deus, como nos diz o Salmo 90, aparecessem e levassem Jesus nas suas mãos para que Ele não se ferisse. Se Jesus fizesse isso Ele com certeza receberia uma glória humana muito grande, todos ficariam admirados, mas o fato é que a glória dos homens não é nada. Jesus não estava atrás dessa glória, porque Ele possui afinal, a verdadeira glória. Jesus se transfigura para revelar a Pedro, Tiago e João a sua verdadeira glória.
Essa dupla finalidade da transfiguração atinge em cheio a nossa vida espiritual. Nós também nos escandalizamos da cruz de Jesus. Basta que ela se apresente a nós na sua realidade. Quando a cruz é apenas um objeto de adorno e veneração nas nossas igrejas nós gostamos muito dela. Nós nos aproximamos, tocamos, achamos bonito, rezamos diante do crucifixo e até o beijamos na sexta-feira santa.
Mas, quando a cruz de Cristo se torna real, quando sentimos os pregos rasgarem a nossa carne, aí nós nos escandalizamos e perguntamos: Por que eu? Por que esse sofrimento para mim que Te sou tão fiel? Ora, justamente porque somos fiéis é que devemos experimentar a cruz. Ela não está em nossas igrejas como um enfeite, mas para lembrar-nos que a sorte do Mestre deve ser a sorte dos discípulos: a cruz. Mas, uma cruz que nos conduzirá à glória. Esse é o grande ensinamento de hoje.
O segundo é que nós não precisamos mais buscar uma glória vazia. Ao olhar para a glória de Jesus transfigurado nós sabemos que Deus tem uma glória para nós. Nós buscamos incessantemente a glória desse mundo, o aplauso dos homens e isso nos faz tanto mal. Às vezes nos tornamos tão escravos da vanglória que não conseguimos fazer nada que os outros não aprovem. É um sentimento que nos dilacera e que nos deixa completamente vazios. Cristo, que assumiu a forma de servo, que se escondeu dentro de nossa frágil humanidade, que se esconde na Palavra da Escritura, que está oculto sob o véu dos sacramentos, revelou hoje a sua glória para nós, anunciando-nos do alto do Tabor, que não precisamos buscar a nossa própria glória, porque Deus tem reservada para nós a sua glória.
Os discípulos estão tão extasiados com a visão da glória de Cristo que dizem pela boca de Pedro, porque este devia ser o sentimento de todos: “Senhor, é bom estarmos aqui”. É bom para nós, que procuramos uma glória vazia, contemplarmos uma glória que realmente nos preenche, porque fomos feitos para a glória. Uma nuvem luminosa os cobre, lembrando-lhes a nuvem gloriosa que enchia a Tenda da Reunião quando Deus falava com Moisés e diz: “Este é o meu Filho amado, ouvi-o!”
Cristo é o amado. N’Ele nós também somos filhos amados. Ele é o servo obediente, “até a morte”, e nós somos chamados a ser também servos obedientes, que sabem escutar a voz do seu Senhor, do seu Mestre. Ouvir o Cristo é o caminho para a glória. Não é à toa que São Bento legou à tradição ocidental a sua Regra pra os monges, que começa justamente com esta exortação: “Escuta” (Obsculta)…
Nós ouvimos o Cristo na Palavra da Escritura Sagrada; nós o ouvimos na Tradição da Igreja; nós o ouvimos quando os nossos pastores nos conduzem e nos dirigem uma Palavra que nos orienta e guia até o mesmo Cristo; nós o ouvimos quando aceitamos entrar na intimidade do nosso quarto, do quarto do nosso coração, onde, no dizer de Santo Inácio de Antioquia “existe uma água viva e murmurante que me diz: Vem para o Pai!”
As vestes de Cristo ficaram “brancas como a luz”. No paralelo de Marcos se ressalta que as vestes de Cristo ficaram brancas de tal forma que nenhuma lavadeira poderia tê-las alvejado daquela forma. A brancura das vestes de Cristo não era uma brancura terrena, mas uma cor do céu. Cristo apareceu aos discípulos revestido de luz, porque Ele é a luz, nos vai dizer São João, talvez como fruto dessa experiência. Cristo alvejou as nossas vestes no seu sangue. O sangue d’Aquele que é luz alvejou as nossas vestes. A nós cabe agora clamar constantemente o Espírito para vivermos de acordo com a veste nova recebida.