A parábola dos operários que trabalharam, uns menos, outros mais, e são pagos com a mesma moeda (Mt 20,1-16), surpreendente como é, põe o leitor diante do grandioso mistério de Deus. Com efeito; um dos operários da primeira hora protesta contra o patrão; ao que este responde: “Amigo, não cometo injustiça. Combinamos a paga de um dinheiro; ei-lo aí. Acontece, porém, que tenho muito dinheiro; é meu, e quero dá-lo gratuitamente. Ora, por ser eu gracioso e magnânimo, não entendes e te aborreces. Tu reclamas não porque eu seja menos santo do que tu, mas precisamente porque ultrapasso as tuas categorias de santidade; a gratuidade não é comum entre os homens, mas é meu típico modo de proceder”.
A parábola vale também para os tempos atuais. Há quem reclame de Deus, que permite haja tantas desgraças no mundo: guerras, enchentes, terremotos, crimes… “Se eu fosse Deus, o mundo seria diferente; não haveria os infortúnios que ora acontecem”. O Senhor Deus lhe responderia: “Tu te irritas porque não me compreendes. E não me compreendes não porque eu seja inferior a ti, mas porque sou infinitamente mais sábio e santo que tu. Sou Deus e não um Grande Homem ou um Grande Banqueiro”. Um Deus criticável ou menos sábio e santo do que o homem não é Deus: ou creio num Deus que é muito mais perfeito do que eu e, por isto, é para mim, misterioso ou não creio em Deus, pois Ele é definido, pela razão humana mesma, como a Suma Perfeição.
Semelhantes ponderações nos são sugeridas pelo livro de Jó: este homem reto e temente a Deus é acometido de grave moléstia; os amigos o acusam de ser um grande pecador e merecer tal castigo. Jó replica, afirmando ter sido sempre fiel a Deus. Donde surge a questão: por que o justo sofre? Não seria o sofrimento a punição do pecado? Diante do impasse Jó apela para Deus; ele é acusado injustamente; queira Deus explicar o enigma. Seria o Todo-poderoso um tirano que se compraz em martirizar os seus fiéis, como chegou Jó a insinuar em Jó 10, 1-22? Em resposta o Senhor não apresenta algum porquê, mas vai apontando a grandeza e a beleza esparsas pelo universo: as constelações, a flora, a fauna (o rinoceronte, o hipopótamo, o leão, o íbis, o galo…) e pergunta a Jó: “Onde estavas quando criei isso tudo? Conta-me…”. Jó então reconhece: “Falei de coisas que não entendia, de maravilhas que me ultrapassam… Por isto retrato-me e faço penitência” (Jó 42,3.5).
A resposta dada a Jó dirige-se também ao homem de hoje: Deus vê muito mais longe do que o homem; Ele entende o que a criatura não entende. Em consequência deverá dizer-se: não compete ao homem criticar Deus, fazendo-se de maior do que Ele, mas, sim, adorar os misteriosos desígnios do Criador, que, por definição, não pode falhar. Passe da fé infantil no “Deus Papai Bonachão” para a fé adulta, que, com Jesus, rejeita as perspectivas meramente humanas de um Reino de Deus na fartura, na isenção de acidentes e na hegemonia sobre os demais reinos (cf. Mt 4, 1-11) a fim de abraçar o plano do Pai, que passa pela Cruz para chegar à Glória celeste (cf. Hb 12, 2-4).
O dia do juízo final revelará aos homens os caminhos da Providência Divina em meio às limitações das criaturas.
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 507, Setembro/2004.