1ª Leitura: Pr 8,22-31
Sl 8
2ª Leitura: Rm 5,1-5
Evangelho: Jo 16,12-15
Cremos na Trindade santa e perfeita
“Não devemos perder de vista a tradição, a doutrina e a fé da Igreja católica, tal como o Senhor ensinou, tal como os apóstolos pregaram e os Santos Padres transmitiram. De fato, a tradição constitui o alicerce da Igreja, e todo aquele que dela se afasta deixa de ser cristão e não merece mais usar este nome. Ora, a nossa fé é esta: cremos na Trindade santa e perfeita, que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo(…)” (Das Cartas de Santo Atanásio, bispo, séc. IV)
A Igreja hoje celebra a Solenidade da Santíssima Trindade. Esta é uma festa didática, ou seja, que visa nos recordar, na celebração da nossa Páscoa Semanal – ou seja, no Domingo, Dia do Senhor – uma verdade da nossa fé. Santo Atanásio nos fala na carta que está acima citada, que esta solenidade nos recorda “qual é” a nossa fé: Cremos na Trindade.
Quando falamos de fé, é propício nos recordarmos de que fé estamos falando. Não se trata da fé que criamos, ou de doutrinas que inventamos de acordo com o nosso subjetivismo. A nossa fé é objetiva e possui garantias. A nossa fé se baseia na Tradição. E o que é a Tradição? Mais uma vez vem em nosso socorro o trecho de Santo Atanásio que acabamos de ouvir: a Tradição é aquilo que o Senhor ensinou, os apóstolos pregaram, os Santos Padres transmitiram e a Igreja guarda em seu Depósito. Cremos na Trindade! Esta é a nossa fé. Quem no-la garante? A Palavra do Senhor, transmitida a nós pela Igreja, a qual é guardiã daquilo que o Senhor ensinou, os apóstolos pregaram e os Santos Padres transmitiram. A Igreja é para nós guardiã e, ao mesmo tempo, intérprete da Palavra que hoje é proclamada para nos mostrar em que cremos.
Lançando nosso olhar para as leituras bíblicas dessa Solenidade poderíamos dizer que, se quiséssemos estabelecer um nexo entre as leituras, este seria a manifestação da Trindade. Primeiro, de modo figurado, na primeira leitura; depois, de modo bastante explícito tanto na segunda leitura, quanto no evangelho.
A primeira leitura é um trecho do livro dos Provérbios. Aqui e em outros lugares do Antigo Testamento, como no livro da Sabedoria, aparece a chamada “Sabedoria Personificada”. Trata-se de um recurso literário. O autor sagrado pensa na sabedoria como uma potência de Deus, e não como uma pessoa divina. No entanto, ao ler o Antigo Testamento à luz do Novo, como ensina o cristianismo, já os Padres da Igreja viram aqui o Cristo, Aquele por meio do qual todas as coisas foram feitas.
A segunda leitura, no contexto da Solenidade de hoje, ganha também sua força por ser uma explicitação, agora muito clara e distinta, por se tratar do Novo Testamento, da Trindade. Paulo começa falando que, justificados pela fé, estamos em paz “com Deus, pela mediação do Senhor nosso, Jesus Cristo”. É claro que o Filho também é Deus com o Pai, contudo, no Novo Testamento, essa expressão “Deus/ hó Theós”, com artigo definido, se utiliza para falar excusivamente do Pai. No final desta pequena perícope, Paulo fala da terceira pessoa da Santíssima Trindade, ao apresentar o Espírito Santo como aquele que garante a nossa esperança: a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.
Por fim, chegamos ao coração da liturgia da Palavra que é o Evangelho. Neste ano C, nesta Solenidade, acolhemos aquele que foi iconografado como a Águia, São João. Neste pequeno trecho Jesus nos faz a promessa do Espírito e, aqui, Jesus chama o Espírito de “Espírito da Verdade”. Como os discípulos não eram capazes de compreender tudo naquele momento, o Senhor Jesus lhes promote que o Espírito continuará guiando-os, será o seu novo “mestre”, conduzindo-os à “plena Verdade”. O Espírito “glorificará” o Cristo porque receberá o que é d’Ele e isto Ele anunciará aos discípulos.
O Espírito Santo vem para continuar na Igreja a obra do próprio Cristo. É Ele, o Espírito, quem guia a Igreja neste tempo, que são os últimos, por se tratar da última etapa da Historia Salutis. Na própria promessa de Jesus vemos já o que contemplamos na vida da Igreja, ou seja, o desenvolvimento da doutrina, dos ensinamentos de Nosso Senhor. Tantas vezes somos questionados pelos de fora a respeito desta ou daquela prática e, tantas vezes, se quer alegar que algumas ações da Igreja não são legítimas porque não estão descritas pormenorizadamente nos textos do Novo Testamento. Eis aqui a resposta. Não se podia ensinar ou prever tudo ali. A Escritura nos traz o núcleo essencial da mensagem do Cristo. Depois, todavia, o Espírito Santo do Senhor, como o faz hoje, guiará os discípulos, conforme prometeu o próprio Senhor, para que eles soubessem como pouco a pouco dar forma a tudo aquilo o que haviam recebido do Mestre. Além disso, como nos testemunha mais uma vez o próprio Santo Atanásio, não é só da Palavra escrita que a Igreja tira a sua certeza a respeito daquilo em que deve crer. A Tradição também é uma fonte da qual emana a única Palavra de Deus.
Poderíamos concluir com a imagem clássica da Trindade como uma comunidade de amor. Os teólogos costumam apresentar a Trindade como uma comunidade de kénosis, uma kénosis feita no amor. O Pai eternamente gera o Filho, numa kénosis (esvaziamento) sem fim. O Filho, que nos manifestou visivelmente sua kénosis na cruz, também a realiza eternamente no seio da Trindade, submetendo-se em obediência à vontade do Pai. E o Espírito o que é, senão o “amor eternamente gerado” nessa circulação também eternal de um amor que se esvazia? Eis diante dos nosso olhos a perfeita comunidade, a comunidade verdadeiramente bem-aventurada, no amor, e num amor que se esvazia. É este o modelo que o Pai quis desde sempre nos apresentar como “nosso modelo”. Se queremos ser famílias, comunidades religiosas e uma comunidade humana feliz, precisamos aprender a viver esse amor que se esvazia, que se doa, que se entrega pelo outro. Estaremos assim não somente construindo uma verdadeira comunidade, mas estaremos também sendo uma imagem viva da comunidade perfeita que é a Trindade a quem louvamos.