1ª Leitura: Ex 34,4b-6.8-9
Sl (Dn 3,52-56)
2ª Leitura: 2Cor 13,11-13
Evangelho: Jo 3,16-18
Neste Domino celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade. Esta é uma festa didática, ou seja, ela visa nos recordar, na celebração da nossa Páscoa Semanal, o Domingo, uma verdade da nossa fé: cremos em um só Deus em três pessoas. Santo Atanásio, ao falar do mistério da Trindade, afirma: “Não devemos perder de vista a tradição, a doutrina e a fé da Igreja católica, tal como o Senhor ensinou, tal como os apóstolos pregaram e os Santos Padres transmitiram. De fato, a tradição constitui o alicerce da Igreja, e todo aquele que dela se afasta deixa de ser cristão e não merece mais usar este nome. Ora, a nossa fé é esta: cremos na Trindade santa e perfeita, que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo(…)”[1]
Na história da salvação Deus foi se revelando aos homens paulatinamente. No Antigo Testamento, Deus se revela como o Pai, o Criador, o libertador do seu povo, que o tirou da terra do Egito com mão forte e braço estendido e que continua a conduzi-lo pelas sendas da história.
Na primeira leitura deste domingo, Deus que já havia se revelado a Moisés na sarça, agora se lhe revela no Sinai. Deus dá a Moisés as tábuas da Lei e ele o reconhece como um Deus “misericordioso e clemente”, “rico em bondade e fidelidade”. O texto termina com a súplica de Moisés, pedindo a Deus que acolha o povo como sua propriedade. Deus ouve a súplica do seu servo e jamais abandonará o seu povo. Mesmo nas vicissitudes da história e nas inúmeras infidelidades do povo, Deus estará sempre presente. Em alguns momentos deixará que venha o castigo, a fim de que o povo tome consciência de suas faltas e se volte para Ele. Todavia, jamais deixará o seu povo ao abandono.
Por isso, podemos cantar com o autor sagrado o cântico de Daniel 3, proposto como salmo de resposta desta liturgia. Daniel 3 é um grande hino de louvor e ação de graças a Deus que não abandona o justo, mas que envia o seu socorro sempre e jamais nega seu auxílio àqueles que a Ele suplicam.
É no Evangelho, contudo, que vamos encontrar a plenitude da Revelação. É por isso que nós, cristãos, lemos o Antigo Testamento sempre à luz do Novo Testamento, pois assim como sem o Antigo Testamento o Novo carece de raiz, da mesma forma, sem o Novo Testamento, o Antigo não chega a atingir a plenitude de seu sentido.
O Senhor Jesus é quem vai nos manifestar a trinitariedade de Deus. Ele é o Filho amado, enviado pelo Pai para que tenhamos vida e vida eterna (Evangelho). O Pai o enviou como seu precioso instrumento de salvação e não de condenação. A condenação cada um pode se auto impor, se rejeita voluntariamente o Filho de Deus. O Filho, por sua vez, nos manifestará na consumação da sua vida, quem é o Espírito Santo, a terceira pessoa da Santíssima Trindade, Deus com o Pai e o Filho, que foi derramado em Pentecostes e que continua a agir na Igreja, para que o Filho que agora está à direita do Pai, possa estar sacramentalmente presente no meio de nós na força do seu Espírito.
Poderíamos lançar um olhar para a segunda leitura. Na conclusão de sua carta, Paulo apresenta uma formulação trinitária: A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus (o Pai) e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós. Eis diante de nós este grande mistério: Deus é uno, mas ao mesmo tempo trino, uma comunidade de amor. Podemos imaginar a vida da Trindade como uma grande kénosis, um grande esvaziamento de amor. O Pai gera o Filho eternamente, numa doação total e contínua de amor; o Filho, como Ele mesmo nos revelou, se esvazia absolutamente de si mesmo para realizar sempre a vontade do Pai (cf. Fl 2,6-11), porque esta é a sua alegria; o Espírito Santo, por sua vez, é dom do Pai e do Filho derramado em nossos corações. Um amor contínuo, eterno, marcado pelo dom de si em direção ao outro, é assim que podemos ver a vida da Trindade.
Sob esta perspectiva, a Trindade se torna para nós um modelo de comunhão. O Catecismo no n. 2205 compara a comunhão da Trindade com a comunhão que deve haver na família. Podemos, contudo, estender essa perspectiva. Toda comunidade humana pode espelhar-se na Trindade, a fim de que haja uma verdadeira unidade entre as pessoas. Enquanto cada um busca apenas o que é útil para si, torna-se muito difícil viver a unidade. Quando entramos, contudo, na perspectiva trinitária e aprendemos com o Pai, o Filho e o Espírito Santo a graça que há no dom de si, no esvaziamento em direção ao outro, então começa a se delinear em nós um verdadeiro conceito de comunhão e a unidade tão querida por Deus e tão pedida por Jesus ao Pai em nosso favor (cf. Jo 17), pode começar a se realizar.
A liturgia que celebramos é toda ela obra da Trindade. O documento de Puebla, no n. 917 nos recorda que “O Pai, pelo Filho, no Espírito Santo, santifica a Igreja e por ela o mundo. Mundo e Igreja, por sua vez, por Cristo, no Espírito, dão glória ao Pai.” É a ação da Trindade que torna possível a liturgia que celebramos. É, ainda, a mesma Trindade que nos capacita a oferecer, na liturgia, o perfeito louvor ao Pai, fonte e fim de toda ação sagrada.
Todos fomos batizados em Nome da Trindade. Pelo mesmo Batismo somos chamados a viver a vida da Trindade. Fomos adotados como filhos e capacitados a chamar Deus de Pai, Paizinho, Abba! Fomos feitos herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. Somos chamados à glória da vida divina.
Peçamos juntos, pois, ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo, a graça de nos abrirmos para compreender tão grandes mistérios e de corresponder a eles por uma vida de louvor e glorificação.
[1] Das Cartas de Santo Atanásio, bispo, séc. IV.