O mês de novembro se abre com a recordação de nossos mortos e da própria morte. – Isto desperta um sentimento de tristeza em muitas pessoas. Do ponto de vista cristão, porém, a perspectiva da morte é absorvida pela de Páscoa: a vida não nos é tirada, mas transfigurada, de modo que a morte vem a ser a passagem para a plenitude dos valores aos quais aspiramos nesta caminhada de peregrinos.
A reflexão sobre a morte ajuda-nos também a valorizar a vida presente; ela não abate, mas estimula a quem pensa com serenidade. – É precisamente esta conclusão que vem transmitida através de uma historieta de origem judaica, tão graciosa quanto profunda. Com efeito, narra o escritor Chaim Potok um diálogo que teve com seu pai:
“Eu tinha seis anos de idade e desenhava… a imagem de meu pai que olhava um passarinho deitado de lado, à beira da calçada perto da nossa casa. ‘Está morto, papai?’, perguntei, sem ter coragem de olhar para o pássaro. ‘Afinal por que morreu?’ – ‘Tudo o que vive, deve morrer, meu filho’. – ‘Tudo, pai?’ – ‘Sim!’ – ‘Tudo também, papai? E mamãe?’ – ‘Sim!’ –‘E eu?’ – ‘Sim, disse o pai. Depois acrescentou em yiddisch: ‘Mas será talvez depois de teres vivido uma boa e longa vida, meu filho’.
Eu não conseguia compreender. Fiz um esforço para olhar o passarinho. ‘Tudo que vive, será um dia como esse passarinho? Por quê?’, perguntei. – ‘Foi assim que o Eterno fez seu universo, filho!’ – ‘Por quê?’ – ‘Para que a vida seja preciosa, filho. Uma coisa que tu possuas para sempre, nunca é preciosa’ ” (Chaim Potok, Meu nome é Asher Lev. New York 1972, p. 156).
Sim. É pelo fato de que nossa vida na terra passa, e passa rápido, que damos valor e sentido a cada um dos nossos dias. Quem possui um tesouro muito grande, facilmente (talvez inconscientemente) o desperdiça e esbanja; mas quem só dispõe de uma conta certa, é espontaneamente levado a aproveitar melhor o que tem. O cristão repete isto com especial convicção, pois ele sabe que esta caminhada de poucos decênios na terra implica a construção da sua eternidade! Como soa a clássica fórmula, o cristão vive “os anos da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 294, Novembro/1986.