Is 49,1-6
Sl 138
At 13,22-26
Lc 1,57-66.80
O que virá a ser este menino?
Neste domingo, dia do Senhor, a Igreja celebra a grande Solenidade do Nascimento de São João Batista. Em geral, a Igreja celebra o dies natalis dos santos, isto é, o dia de seu martírio ou de sua morte. Contudo, João é agraciado com uma dupla celebração: o seu nascimento, hoje, dia 24 de junho, e o seu martírio, celebrado não como uma solenidade, mas como uma memória, no dia 29 de agosto.
É justo que aquele que pertence à dupla economia, que faz a ponte entre a Antiga e a Nova Aliança, seja agraciado com uma dupla celebração. Afinal, São João Batista é, de certo modo, o último dos profetas, encerra a economia da Antiga Aliança, mas já está na Nova e definitiva Aliança, porque nos aponta o Cristo e o batiza, nosso verdadeiro Salvador.
Com um duplo anúncio de nascimento, e com um duplo nascimento, Lucas abre seu evangelho. Por isso, aquele, cujo nascimento foi causa de alegria, porque haveria de ser o precursor do Messias, é honrado na liturgia com uma solenidade semelhante àquela com a qual honramos o próprio Cristo: o dia da sua Natividade, do seu Nascimento.
No coração da Liturgia da Palavra está o evangelho de hoje, o relato do nascimento de João. No Templo, o anjo Gabriel anunciou a Zacarias este nascimento, disse que ele traria “alegria e júbilo”, que muitos se alegrariam, e que o menino deveria chamar-se “João” (Lc 1,13). Na Escritura, o nome é muito significativo: João, que em hebraico seria Yôhanan, é formado pelo prefixo Yo, uma forma abreviada do nome divino, e pelo verbo hanan, que significa “apiedar-se, sentir misericórdia, favorecer, conceder graça”. Portanto, o nome João significa “Deus teve misericórdia/Deus apiedou-se/Deus foi favorável/Deus concedeu graça”. A graça de Deus começa a se manifestar para nós na figura do precursor João Batista, porque ele, qual novo Elias (Ml 3,23-24; Mt 17,9-13), preparará o caminho para a vinda do Senhor e o apontará como o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (cf. Jo 1,29).
A misericórdia de Deus vem claramente expressa no seu nascimento. O mesmo verbo que Maria utiliza no Magnificat, o verbo grego “megalyno” (Lc 1,46), que significa “engrandecer, exaltar”, aparece em Lc 1,58, referindo-a a Deus, que “exaltou com sua misericórdia”, ou seja, “foi grande em misericórdia” com Isabel, tirando-a da vergonha que representava, no seu contexto social, a sua esterilidade. Essa misericórdia, contudo, não se realizou somente na vida de Maria e Isabel. Em João Batista, que anunciou-nos o Cristo, a misericórdia de Deus manifestou-se a todos os homens, porque ele veio nos apontar o Cristo, o que “tira o pecado do mundo”, o que veio para derramar sobre o coração dos homens a misericórdia infinita do Pai. Por isso, todos se alegram com seu nascimento (Lc 1,58) e, também, nós nos alegramos, com muito mais intensidade, porque entendemos de modo ainda mais pleno o sentido desse nascimento.
Zacarias – que havia ficado mudo em virtude da sua dúvida, pois afinal ele disse ao anjo que lhe anunciou essa “visita de Deus”: Como saberei estas coisas? Afinal, sou um homem velho e minha mulher é avançada em dias (cf. Lc 1,18) – pode agora louvar a Deus, recupera sua fala, porque ao escrever na tabuinha “João é o seu nome” ele passou da incredulidade à obediência, fazendo conforme o anjo lhe havia dito: “porás (nele) o nome de João” (Lc 1,13).
A primeira leitura é uma aplicação do texto do profeta Isaías a João Batista. O segundo canto do Servo de Deus fala de alguém, de um profeta, gestado primeiro na mente de Deus e depois, então, no ventre materno. Deus dá ao profeta a sua palavra, protege-o e faz dele uma “flecha aguçada”. O profeta, no entanto, lamenta-se. Parece que sua ação foi inútil: “gastei minhas forças sem fruto” (v. 4). Deus, contudo, mostra que o esforço do seu servo não foi inútil. Ele é “luz das nações”, e através do seu testemunho a salvação de Deus deve chegar aos confins da terra.
João é esse grande profeta. Antes mesmo do seu nascimento, já foi predito o que ele seria. Conforme diz o salmista, Deus não ignorava nada a respeito de João, enquanto ele era formado “nas entranhas subterrâneas” de Isabel. Seu esforço parece, contudo, ter sido vão. Ele foi martirizado por causa da verdade. Contudo, justamente o que parecia ser expressão de inutilidade, torna-se o gesto mais eficaz. Mais eloquente que o que João dizia, era o que João vivia. Mais forte que a sua Palavra, foi o seu testemunho, o seu martírio. João disse mais com sua morte, do que com sua vida. João não foi uma chama que se apagou, mas um grande luzeiro que se acendeu pela força do seu sacrifício.
A pergunta dos conterrâneos de João: “O que virá a ser esse menino?” (Lc 1,66) foi respondida, de certo modo, pela aplicação que a ele se fez do texto de Isaías: João tornou-se “luz para as nações”. Anunciou não a si mesmo, mas o Cristo, porque bem nos recorda a segunda leitura: “João declarou: ‘Eu não sou aquele que pensais que eu seja! Mas vede: depois de mim vem aquele, do qual nem mereço desamarras as sandálias’” (cf. At 13,25).
João é, para nós, um grande modelo. Deus também nos chama a ser profetas, a anunciar com destemor sua Palavra. A exemplo de João, devemos anunciar não somente com a palavra, mas também com a vida. Se for necessário morrer por causa de Cristo, isso não deve ser considerado uma derrota, pelo contrário, isso seria nossa maior coroa.
Sejamos, também nós, luz no meio de um mundo de trevas. No meio de uma Igreja onde tantos anunciam a si mesmos, assumamos a difícil e honesta tarefa de dizer como João o disse: “Eu não sou aquele que pensais que eu seja!” (At 13,25). Como João, amemos a verdade até o fim, e com verdade anunciemos o Cristo, e deixemos que aqueles que vêm ao nosso encontro, possam nos ver apenas como uma ponte, a fim de chegarem àquele único que pode realmente salvá-los: o Senhor Jesus!