1ª Leitura: Is 52,7-10
Sl 97
2ª Leitura: Hb 1,1-6
Evangelho: Jo 1,1-18
A celebração do Natal preenche o nosso coração de alegria, ao celebrarmos o nascimento de nosso Salvador.
São Leão Magno, ao falar a respeito desse dia glorioso, diz que nele “não pode haver tristeza”, que não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida, uma vida que dissipa o temor da morte. O nascimento de Cristo dissipa o temor da morte. Nós que antes andávamos nas trevas do pecado e vivíamos cercados pelo medo da morte, somos inundados pela luz do Senhor e vemos brilhar para nós, a partir do presépio, uma esperança de salvação, porque nasceu para nós o Salvador; “nasceu para nós” Aquele que “morrerá por nós” a fim de nos dar a vida verdadeira.
Cristo, reclinado no presépio, é a Palavra de Deus para nós. A carta aos Hebreus no trecho ouvimos na liturgia de hoje nos diz que, “Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas; nesses dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho(…)” Cristo é a Palavra Viva do Pai para nós. O Pai nos fala por meio de Cristo.
Essa, também, é a verdade de fé proclamada no Evangelho que hoje também nos é proposto na liturgia. João nos diz que “no princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a Palavra era Deus”. João afirma ainda que tudo foi criado por meio da Palavra, que nela estava a vida e a vida era a luz dos homens. O Pai tudo criou por meio da sua Palavra. A sua Palavra é uma Palavra vivificante. A sua Palavra é a Verdade; a sua Palavra é a Luz, uma luz que expulsa as trevas, uma luz que, sendo vida, destrói as trevas da morte e do pecado.
João, depois de descrever de maneira sintética que a Palavra de Deus, Cristo, veio para o que era seu, mas os seus não a acolheram (cf. Jo 1,11) – uma provável referência à vinda de Cristo em primeiro lugar para o povo judeu, o povo da promessa – ele continua dizendo que esta Palavra Eterna, que é Deus com o Pai, “se fez carne e habitou entre nós”. Deus fez com que a sua Palavra que é a própria Vida e geradora de vida, se fizesse carne, assumindo um corpo e uma alma humanos, a fim de realizar em seu corpo a salvação dos homens.
Um pequenino versículo, ou melhor, uma parte de um pequeno versículo (cf. Jo 1,14, encerra em si uma riqueza infinita: “a Palavra se fez carne e habitou entre nós”. João se utiliza de uma palavra muito precisa para dizer “habitar”. João se utiliza do verbo grego skénosen, que significa “armar a tenda”; “descer”.
O mais interessante dessa palavra que João usa, porém, é a sua assonância com o verbo hebraico “shakan”, que é utilizado no Antigo Testamento para designar o “habitar” de Deus no meio do povo, sobretudo quando a “nuvem”, sinal da presença de Deus, enchia a Tenda da Reunião (cf. Ex 40,34-35).
Acredita-se que esta escolha das palavras que o evangelista realiza nos demonstra a riqueza do ele nos quer transmitir. João quer nos dizer que agora não temos mais uma presença transitória de Deus, como era no AT, quando a glória do Senhor enchia temporariamente a tenda da reunião. Agora, o Senhor realizou definitivamente a sua descida em nosso meio e está glorioso no meio de nós, uma glória que Ele ocultou na sua frágil humanidade, mas que ele já nos deixou entrever, primeiro através do testemunho dos que estiveram no Tabor e, depois, aparecendo Ressuscitado aos seus discípulos.
Deus está presente em nosso meio. Em Cristo os “confins do universo contemplaram a salvação do nosso Deus” como diz o salmista. Ele é o “consolador e o resgatador” da humanidade. Cristo é o Noivo do Cântico dos Cânticos que vem saltando sobre os montes; Ele é a Sabedoria que estava com Deus no princípio da criação; Ele é o Messias esperado; Ele é o servo sofredor; Ele é a Palavra do Pai que outrora nos era comunicada pela boca dos profetas e que agora, nos últimos tempos, se fez carne nas entranhas da Virgem para a nossa salvação.
Na sua Encarnação Cristo realiza a nossa salvação. A Lei no AT visava manter o povo fiel à Aliança com Deus; todavia, a simples prática da Lei não era suficiente para purificar o homem. Por isso, João afirma que Moisés nos deu a Lei, mas a graça e a verdade nos vieram por Jesus Cristo. Só Jesus pode nos dar do que é propriamente seu; o que é propriamente do Cristo é a “graça” e a “verdade”. Na Encarnação, chamada pelos antigos de “admirável comércio”; “admirável intercâmbio”, “misteriosa iniciativa”, “surpreendente benefício”, Cristo realizou a nossa salvação.[1] Ele desceu e nos elevou até Ele. A Encarnação não significa somente que fomos remidos dos nossos pecados, mas que também fomos elevados para junto de Deus. Cristo veio comunicar à nossa natureza humana a força da sua divindade.
“Ninguém jamais viu a Deus”. Cristo, o Unigênito que está na intimidade do Pai no-lo deu a conhecer. Cristo, que está “voltado para o coração do Pai” veio para nos “contar”, para fazer para nós “a exegese do Pai”. A Encarnação é para nós uma manifestação da vida de Deus. A Encarnação nos revela que tudo foi criado por amor e que, nem o pecado, pôde destruir a misteriosa iniciativa de Deus de querer dar vida à sua criatura. A Encarnação é a maravilhosa revelação de que o Pai enviou o seu Filho para realizar a nossa salvação e que isto é uma expressão de amor infinito.
Esse versículo nos revela a intimidade do relacionamento entre o Pai e o Filho. Esse modelo de intimidade se torna uma referência para nós. Cristo ao encarnar-se nos revelou que Ele está voltado para o coração do Pai. Ele, ao encarnar-se nos capacitou a também nos voltarmos para o coração do Pai. Ao olharmos a sua humanidade, devemos agradecer a Deus que nos fez participar da sua vida divina. Cristo nos introduziu, assim, no Reino dos Céus.
Que na liturgia de hoje nossos corações transbordem em louvor, em ação de graças. Que a luz d’Aquele que é a própria Luz, inunde nossos corações, expulsando de nós as trevas da impiedade, a fim de sermos, n’Ele, novas criaturas.
[1] Cf. “Carta a Diogneto”.