O mês de novembro lembra ao cristão a consumação ou a meta à qual ele tende através da sua peregrinação terrestre: a plenitude da vida com a eventual purificação prévia. Na verdade, São Paulo diria que a existência do cristão na terra é morte cotidiana ao velho homem, para que se possa desenvolver no cristão a nova criatura, iniciada pelo Batismo e alimentada pela Eucaristia. Há uma troca diária do velho pelo novo; sim, cada vez que o cristão diz Não ao pecado e renuncia a um prazer desregrado, está abrindo espaço para o novo homem, que nele se vai formando. A chamada “morte” não é mais do que a última renúncia ao “corpo marcado pelo pecado” (cf. Rm 8,3), para que chegue ao completo desabrochamento a nova criatura. É o que o Apóstolo sugere quando diz: “Embora em nós o homem exterior vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova dia-a-dia”(2Cor 4,16).
É a consciência disto que leva os justo não só a não temer a morte, mas a considerá-la com santo anseio,… anseio de quem sabe que a vida não lhes é tirada, mas transfigurada. Um dos textos mais expressivos a respeito é o do mártir Santo Inácio de Antioquia († 107), que escrevia:
“É bom para mim morrer em Cristo Jesus, melhor do que reinar até as extremidades da terra. É a Ele que procuro, Ele que morreu por nós; é Ele que eu quero, Ele que ressuscitou por nós. Meu nascimento aproxima-se… Deixai-me receber a pura luz; quando tiver chegado lá, serei homem” (Rm 6,1s).
“Meu desejo terrestre foi crucificado… Há em mim uma água viva, que murmura e que diz dentro de mim: ‘Vem para o Pai’” (Ib.,7,2).
A água viva que chama para a Casa do Pai, é o símbolo do Espírito Santo, conforme Jo 7,35-37.
Santa Teresinha do Menino Jesus, por sua vez, afirmava: “Não é a morte que me virá buscar, mas, sim, o Bom Deus”… “Não morro, entro na vida… Vossa irmãzinha vos diz: ‘Até breve… no céu’” (Novissima Verba).
Assim a morte não é algo de estranho para o cristão, mas torna-se-lhe familiar pelo fato mesmo de que ele a vivencia todos os dias… Ele a vivencia não como mera perda, pois todo Não dito ao vetusto é simultaneamente um Sim à novidade de vida. Importa, pois, ao cristão tomar consciência de que a vida terrestre é o preâmbulo da celeste; é a semeadura da qual dependerá uma colheita mais farta ou menos farta, de acordo com a generosidade do semeador; é o estado de casulo, do qual sairá a borboleta já formada, quando o Pai julgar chegada a hora.
Desta maneira a recordação da morte, longe de entristecer, deve abrir os horizontes e despertar o ânimo de todos aqueles que dizem Não à única morte que é realmente morte, ou seja, ao pecado.
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 390, Novembro/1994.