Ml 3,1-4
Sl 23 (24)
Hb 2,14-18
Lc 2,22-40
“Luz para iluminar as nações todas” (cf. Lc 2,32)
“Chegou a verdadeira luz, que vindo ao mundo ilumina todo ser humano (Jo 1,9). Portanto, irmãos, deixemos que ela nos ilumine, que ela brilhe sobre todos nós. Que ninguém fique excluído deste esplendor, ninguém insista em continuar mergulhado na noite. Mas avancemos todos resplandecentes; iluminados por este fulgor…”[1]
Com estas belíssimas palavras, São Sofrônio explica o sentido da festa que hoje celebramos. Ela é chamada de “Apresentação do Senhor” porque neste dia, quarenta após o seu nascimento, Cristo foi apresentado no Templo por Maria e José e foi oferecido o sacrifício de resgate do primogênito previsto pela lei mosaica (cf. Ex 13,1-16). Essa festa também é conhecida como a festa da “Purificação de Maria”, porque neste dia, ao apresentar seu filho no Templo, Maria também fez a “purificação” que era prevista para toda mulher judia quarenta dias após o parto, quando cessava o seu fluxo mais longo (cf. Lv 12).
O tema da luz sobressai na perícope lucana lida nesta liturgia da Palavra. O ancião Simeão toma o menino em seus braços e entoa, então, um cântico que passou para a tradição da Igreja como o cântico evangélico da oração de Completas: o Nunc Dimittis, que são as primeiras palavras do mesmo cântico em latim que diz: “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel” (cf. Lc 2,29-32). Em virtude disso, segundo uma antiga tradição que remonta ao século X, a liturgia deste dia começa com a solene bênção e procissão das velas.
A liturgia da Palavra que hoje ouvimos nos traz, na primeira leitura, um treco do livro do profeta Malaquias. Este trecho, de tom marcadamente escatológico, retoma um tema comum a alguns dos doze profetas menores: o dia de YHWH, o dia no qual Deus se manifestará a Israel de uma maneira nova e definitiva. O profeta fala em nome do próprio Deus anunciando a sua vinda, que será precedida pela de seu mensageiro. O próprio Deus virá a seu Templo e purificará os filhos de Levi, os sacerdotes, para que a oferenda de Judá e Jerusalém seja, de novo, pura aos olhos d’Ele. Deus mesmo intervirá a fim de que o povo possa oferecer, através dos sacerdotes, sacrifícios que lhe sejam dignos.
Vemos a realização plena desta profecia no Evangelho. Cristo chega ao Templo, levado por Maria e José: Ele é o “Senhor”, aquele que pelo seu sacrifício redentor selará a nova e definitiva Aliança de Deus com os homens (cf. Jr 31,31-34). Em Cristo – o único e eterno sacerdote –, por Cristo e com Cristo, os sacerdotes da Nova Aliança podem oferecer um sacrifício que seja agradável ao Pai do Céu. O seu sacrifício, que será consumado na cruz, é já sinalizado na oferenda que Jesus e Maria fazem d’Ele ao Pai, embora o resgatem pelo sacrifício previsto pela Lei (cf. Lv 12,8 ‘Maria e José levam a oferenda dos pobres: um par de rolas ou dois pombinhos’: Dt 13,13-15). Cristo se revela aqui como o “sumo-sacerdote misericordioso e digno de confiança” que se oferece a fim “de expiar os pecados do povo” (cf. Segunda Leitura).
Devemos olhar com atenção, ainda, para os salmos que a festa de hoje põe em nossos lábios. O Salmo Responsorial é o Salmo 23, que alguns autores acreditam que faça referência à transladação da arca da aliança feita por Davi (cf. 2Sm 6,12-16). Trata-se de uma ordem dada “aos frontões e às portas do Templo” para que se abram ao Rei da Glória que deseja entrar e que deve entrar para tomar posse do seu santuário. A antífona de entrada desta Missa de hoje, por sua vez, que infelizmente não é mais comumente cantada nas nossas paróquias, mas substituída por cantos que nem sempre possuem o mesmo valor espiritual, é um trecho de outro salmo, o Salmo 47,10-11 e afirma: “Recebemos, ó Deus, a vossa misericórdia no meio vosso templo. Vosso louvor se estende, como o vosso nome, até os confins da terra; toda a justiça se encontra em vossas mãos”. Cristo, o Senhor da glória, veio a seu Templo, mas veio revestido da nossa humanidade, a qual Ele assumiu por pura misericórdia, a fim de, na sua justiça, nos purificar dos nossos pecados.
Como cantou Simeão no Evangelho, Cristo é a “luz”, que veio para “iluminar” as nações todas. Deixemos que Ele ilumine os nossos corações! Se abrirmos os corações os nossos corações à sua luz, ele expulsará de nós toda treva e nos tornará um reflexo cada vez mais límpido da sua própria face. As velas acesas no início da celebração eucarística devem ser um sinal daquilo o que nós pretendemos ser: velas acesas na luz da verdade que é o próprio Senhor! Mas não guardemos só para nós sua luz. Ao contrário, façamos como Ana, a outra anciã que aparece na perícope de Lucas, que “pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém” (cf. Lc 2,38). São tantos os que ainda hoje esperam a libertação! Que possamos seguir este santo exemplo e partilhar com outros a luz que d’Ele recebemos, anunciando a todos os que encontrarmos a boa nova do Evangelho.
[1] Dos Sermões de São Sofrônio, Bispo, Séc. VII.