1ª Leitura: At 10,34a.37-43
Sl 117(118)
2ª Leitura: Cl 3,1-4 ou 1Cor 5,6b-8
Evangelho: Jo 20,1-9
O refrão do Salmo Responsorial nos permite exprimir nosso júbilo: Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos (Sl 117[118],24). Depois da longa caminhada quaresmal, chegamos à grande alegria da Páscoa do Senhor. Sempre, na liturgia da Igreja, é o mistério pascal de Cristo que celebramos. Contudo, na solenidade anual da Páscoa, temos a chance de celebrar com renovada alegria esta verdade que constitui o núcleo da fé cristã: Cristo Ressuscitou e está vivo entre nós! O “Aleluia” pascal, expressão proveniente da língua hebraica e que significa, literalmente, Louvai o Senhor, é o nosso canto de júbilo próprio para este tempo, no qual, a certeza de que Cristo vive renova nossa esperança de um dia estarmos com ele no face-a-face do Reino.
O evangelho nos relata a experiência dos primeiros a perceber no sepulcro vazio o cumprimento da Palavra do Cristo, que havia prometido que ressuscitaria de entre os mortos. Ouvimos neste domingo Jo 20,1-9. Maria Madalena vai ao túmulo bem de madrugada, provavelmente acompanhada por outros mulheres, como se pode presumir do que ela diz aos discípulos no v. 2: Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram. Ela é a primeira a “ver”: ainda não o sepulcro vazio, mas a pedra da entrada que havia sido retirada. Ela corre para anunciar aos discípulos o que presume ter acontecido.
Nesse pequeno trecho, o verbo “ver” (vv. 1-9) ocorre quatro vezes. João utiliza-se, no entanto, de três verbos diferentes. Nos vv. 1 e 5, aparece o verbo grego blepo, que pode significar “ver, dirigir o olhar para”, servindo para indicar, sobretudo, o sentido da visão em si. Maria Madalena “vê” a pedra removida e o discípulo que Jesus amava, embora não entre no sepulcro vazio, “vê” os panos de linho no chão. Pedro é o terceiro a “ver” alguma coisa. Ele entra no sepulcro, e dele se diz que “viu” tudo em detalhes: as faixas de linho deitadas no chão (v. 6) e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus colocado num lugar à parte (v. 7). Para indicar a ação de Pedro, João utiliza o verbo theoreo, que pode significar “observar, examinar, contemplar com a inteligência”. Seria como se Pedro procurasse, através de um olhar atento, compreender o sentido daqueles sinais.
Por fim, retornamos ao discípulo que Jesus amava, normalmente identificado com João, o apóstolo e evangelista. Dele se diz que, depois, de Pedro, ele entrou no sepulcro, “viu e acreditou”. O seu “ver” é expresso pelo verbo grego horao (eiden). Esse verbo pode significar simplesmente “ver” ou “fixar os olhos” em alguém ou alguma coisa. Contudo, em sentido figurativo, o verbo pode significar “ver com os olhos do espírito”, “compreender”. O binômio “viu e acreditou” parece corroborar esse sentido último: João não somente constata o modo como as coisas estão dispostas no sepulcro vazio, mas ele compreende o sentido daquilo que Pedro parece investigar com sua inteligência. João compreendeu que a promessa do Cristo havia se cumprido: ele acreditou que o Cristo havia ressuscitado dos mortos.
A fé na ressurreição constituiu e constitui o cerne da pregação cristã. Vemos na primeira leitura como Pedro, na casa de Cornélio, anuncia a boa nova e, no centro deste anúncio está a proclamação da Ressurreição: Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia… (v. 40). Pedro enfatiza que a Ressurreição foi testemunhada por aqueles a quem Deus escolheu. Estes comeram e beberam com Jesus, depois que ele havia ressuscitado dos mortos (v. 41).
Como segunda leitura, o lecionário nos propõe duas opções. A primeira, da carta aos Colossenses, nos mostra que a Ressurreição de Cristo é um sinal também da nossa ressurreição. Nossa vida “está escondida” com Ele. Um dia, apareceremos com Ele em seu triunfo. Se as coisas devem se dar deste modo, descortina-se diante de nós um novo olhar sobre tudo o que nos cerca. Por mais que tenhamos de enfrentar grandes dramas, tudo está vencido. Lutamos, mas na certeza da vitória, porque o último inimigo, a morte, já foi derrotado pelo Senhor. Os que morrem n’Ele, com Ele ressurgirão.
A segunda opção, o trecho da carta aos Coríntios, utilizando a imagem da páscoa judaica, nos convida a uma renovação interior por ocasião da celebração pascal. O fermento ganhou um sentido simbólico na Escritura e na tradição judaica. Jesus falava do “fermento” dos fariseus. Sendo o ingrediente que leveda a massa ele, de certo modo, a “corrompe”. Assim, os judeus foram compreendendo que os pães ázimos da Páscoa eram um símbolo de pureza, pureza que eles deviam procurar alcançar, livrando-se de todo fermento de maldade, de toda forma de injustiça que corrompe o coração humano. De todo orgulho, que o torna inchado e incapaz de aproximar-se de Deus e dos irmãos. Paulo convida os cristãos a serem esses “pães ázimos”, isto é, sem fermento, livrando-se de toda espécie de maldade e perversidade, a fim de celebrar de coração puro, o mistério pascal daquele que é puro, e que veio para nos purificar e redimir.
Concluo recordando que a Vigília Pascal nos abre para o Sagrado Pentecostes. Pentecostes não é somente a solenidade que encerra o Tempo Pascal. Os Santos Padres entendiam que este tempo de cinquenta dias, uma semana de semanas, é em si o Sagrado Pentecostes, o Sagrado Cinquentenário, onde procuramos manter acesa em nossos corações a chama da alegria pascal, do mesmo modo como permanecerá acesa em nossas Igrejas a chama do círio pascal. Que o drama coletivo da pandemia que estamos vivendo, que nossos lutos, não nos impeçam de nos alegrar pela Páscoa do Senhor. Sua Páscoa é fonte de renovação da nossa fé; ela alimenta a nossa esperança, mostrando-nos que a morte não é fim, mas passagem; ela renova nossa caridade, levando-nos a perceber que, assim como Cristo deu sua vida por nós, também devemos dar nossas vidas pelos irmãos, na esperança de recebermos de volta a vida verdadeira. Que o “Aleluia” seja nosso canto de louvor e que a luz da Ressurreição ilumine as trevas do nosso coração e nos traga tempos novos, de alegria e de paz.