1ª Leitura: Is 42,1-4.6-7
Sl 28
2ª Leitura: At 10,34-38
Evangelho: Lc 3,15-16.21-22
“Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer” (Lc 3,22)
Com a celebração deste domingo, em especial com esta festa que hoje celebramos, a festa do Batismo do Senhor, concluímos o tempo do Natal e vamos começar, então, já na segunda, um novo ciclo, o Tempo Comum, onde continuaremos a contemplar as diversas facetas do único Mistério de Cristo, revelado a nós em cada domingo na Palavra da Escritura que ouvimos. Ainda ouviremos, no segundo domingo do Tempo Comum, um evangelho de certo modo ligado ao Tempo do Natal, particularmente ao mistério da Epifania: Jo 2,1-11, o milagre de Jesus nas Bodas de Caná. A antífona das II Vésperas da Solenidade da Epifania é a seguinte: “Recordamos neste dia três mistérios: Hoje, a estrela guia os magos ao presépio. Hoje, a água se faz vinho para as bodas. Hoje, Cristo no Jordão é batizado para salvar-nos”. Embora no dia da Solenidade da Epifania tenhamos ouvido no evangelho da celebração da Missa o relato da visita e adoração dos magos, essa solenidade compreende também outros momentos “epifânicos”, onde o Senhor tornou manifesta sua glória e sua missão: o seu Batismo, quando o Pai dá testemunho d’Ele, e o primeiro dos seus sinais, em Caná, na Galileia.
O que celebramos nesta festa do Batismo do Senhor? Nesta festa celebramos o mistério de Cristo que quis ser batizado por João Batista no Jordão manifestando assim a sua condição de “servo sofredor” que quis assumir o pecado do mundo inteiro e que assumiu a nossa humanidade a fim de oferecê-la na cruz por nós. A identificação do Filho com o servo sofredor anunciado em Is 42,1, primeira leitura da Missa de hoje, fica mais clara nos relatos evangélicos paralelos de Mateus e Marcos (Mt 3,17 e Mc 1,11). Lucas parece partir do Sl 2,7, pondo em destaque a estreita relação d’Ele com o Pai.
Com que finalidade a Igreja conclui, com esta festa, o Tempo do Natal? Com esta festa é concluído o Tempo do Natal, a fim de que possamos nos recordar o Cristo assumiu nossa humanidade, uma existência semelhante à nossa, para que pudesse oferecê-la na cruz, como sacrifício de louvor ao Pai e fonte de nossa salvação. Encerrando, então, o ciclo natalino com esta festa, percebemos que o mistério do natal está intimamente conectado com o mistério da Páscoa do Senhor, da sua entrega amorosa na cruz por nós.
Sabemos que o batismo que João pregava era um batismo de conversão, para o perdão dos pecados. Não era um batismo como aquele que recebemos, que nos incorpora a Cristo, que nos torna filhos de Deus e membros da Igreja, novas criaturas em Cristo. O batismo de João era um sinal externo de um desejo interno de conversão e vida nova. Ora, Cristo não precisava de conversão. Sendo Deus, não tinha pecado. Por que então Cristo quis submeter-se ao Batismo de João?
Em primeiro lugar, para manifestar a sua condição de “servo sofredor”. Ele se deixa batizar para mostrar a sua humildade, o seu extremo esvaziamento por amor aos homens. É o Criador, sendo batizado pela criatura!
Em segundo lugar, o Batismo de Cristo é a sua designação pública como Messias, por isso se ouve a voz do Pai dando testemunho d’Ele e, por isso também, o céu se abre e sobre Ele desce o Espírito Santo em forma corpórea. Mas Cristo é o Messias sofredor, que toma sobre si o pecado dos homens, aquele do qual diz o profeta Isaías na primeira leitura: “Eis o meu servo… ele não levanta a voz…”. No Batismo se dá a manifestação pública de Cristo, como aquele que veio para cumprir a profecia de Isaías, para ser o centro de aliança dos povos, luz das nações, que abre os olhos dos cegos, que tira os cativos das prisões e que liberta os que vivem nas trevas.
Cristo foi batizado no Jordão, também, a fim de em seu corpo semelhante ao nosso nos oferecer a purificação dos pecados. Descendo às águas do Jordão ele não somente dá aos homens o exemplo do que eles mesmos devem fazer, mas de maneira misteriosa ele já lava nas águas do Jordão, a humanidade inteira. Assim diz o hino do Ofício das Leituras de hoje: “Não quer lavar-se a si mesmo o Filho da Virgem pura, mas quer nas águas lavar a culpa da criatura”. E, ainda, São Gregório de Nazianzo assevera num de seus sermões: “Jesus sai das águas, elevando consigo o mundo que estava submerso, e vê abrirem-se os céus de par em par, que Adão tinha fechado para si e sua posteridade, assim como o paraíso lhe fora fechado por uma espada de fogo”.[1] Embora não tivesse pecado, Cristo assumiu um corpo de pecado, ou seja, um corpo ferido pelas consequências do pecado. Por isso, ele desce com esse corpo ao Jordão, e o lava, e o purifica. No corpo de Jesus batizado no Jordão estão misticamente simbolizados os nossos corpos, que foram por Ele, por seu sangue derramado na cruz, lavados de todo pecado. E o céu, como diz São Gregório em seu Sermão, que havia sido fechado para nós por causa do pecado de Adão, agora em Cristo se abre novamente, e de lá desce o Espírito Santo em forma corpórea, como outrora uma pomba anunciou a Noé o fim do dilúvio, e pousa sobre o Cristo, sobre o Ungido do Pai, que veio para ser a nossa salvação.
João batizou com água, mas Jesus é aquele que batiza com o Espírito Santo. Nós fomos batizados em Cristo na água e no Espírito Santo. No dia do nosso batismo, o próprio Cristo, agindo nos seus ministros – por que quando alguém batiza é o próprio Cristo quem batiza[2] – deu-nos o seu Espírito Santo. Desde o nosso batismo nós somos cheios do Espírito Santo. Também sobre a fonte batismal naquele dia fez-se ouvir a voz do Pai que dava testemunho a nosso respeito, como deu do Cristo: “Tu és o meu filho amado, a minha filha amada”. Como diz o salmista: “Eis a voz do Senhor sobre as águas”. A voz do Senhor fez-se ouvir no Jordão, no dia do batismo de Cristo e fez-se ouvir também sobre o pequeno Jordão, sobre a fonte batismal, no dia do nosso batismo, quando fomos lavados nas águas regeneradoras, quando recebemos o novo nascimento, quando Cristo nos deu o seu Espírito Santo.
Nós que fomos batizados em Cristo, “nos revestimos de Cristo” (Gl 3,27). Nós que recebemos o Espírito Santo no dia do nosso batismo, devemos agora viver segundo o Espírito que recebemos, renovando diariamente o nosso empenho para sermos fiéis às promessas daquele dia e voltando, através do sacramento da penitência, à graça da amizade com Deus.
[1] Cf. Oratio in Sancta Lumina, São Gregório de Nazianzo. Liturgia das Horas. Vol. I, pp. 574-575
[2] Cf. SC 7