1ª Leitura: Is 42,1-4.6-7
Sl 28
2ª Leitura: At 10,34-38
Evangelho: Mc 1,7-11
Com a celebração deste domingo, em especial com esta festa que hoje celebramos, a festa do Batismo do Senhor, concluímos o tempo do Natal e vamos começar, então, um novo ciclo, o Tempo Comum, onde continuaremos a contemplar as diversas facetas do único Mistério de Cristo, revelado a nós em cada domingo, na Palavra da Escritura que ouvimos.
O que celebramos nesta festa? Por que justamente com esta festa concluímos o Tempo do Natal? Nesta festa celebramos o mistério de Cristo que quis ser batizado por João Batista no Jordão manifestando assim a sua condição de “servo sofredor” que quis assumir o pecado do mundo inteiro e que assumiu a nossa humanidade a fim de oferecê-la na cruz por nós. Com esta festa concluímos o Tempo do Natal a fim de que possamos nos recordar de que este corpo assumido por Nosso Senhor na Encarnação foi assumido em vista da cruz. Ele assumiu uma existência semelhante à nossa, a fim de oferecê-la na cruz por nossos pecados. Assim, encerrando o ciclo natalino com esta festa, percebemos que o mistério do Natal está intimamente conectado com o mistério da Páscoa do Senhor, da sua entrega amorosa na cruz por nós.
Como dizíamos, Cristo quis ser batizado no Jordão para manifestar-nos a sua entrega, a sua condição de Messias sofredor. Sabemos que o batismo que João pregava era um batismo de conversão, para o perdão dos pecados. Não era um batismo como aquele que recebemos, que nos incorpora a Cristo, que nos torna filhos de Deus e membros da Igreja, novas criaturas em Cristo. O batismo de João era um sinal externo de um desejo interno de conversão e vida nova. Ora, Cristo não precisava de conversão. Sendo Deus, não tinha pecado. Por que então Cristo quis submeter-se ao Batismo de João?
Em primeiro lugar, para manifestar a sua condição de servo sofredor. Ele se deixa batizar para mostrar a sua humildade, o seu extremo esvaziamento por amor dos homens. É “o Criador, sendo batizado pela criatura”, exclamaram admirados alguns autores cristãos dos primeiros séculos!
Em segundo lugar, o Batismo de Cristo é a sua designação pública como Messias, por isso se ouve a voz do Pai dando testemunho d’Ele e, por isso também, o céu se abre e sobre Ele desce o Espírito Santo em forma corpórea. Mas Cristo é o Messias sofredor, que toma sobre si o pecado dos homens, aquele do qual diz o profeta Isaías na primeira leitura: “Eis o meu servo… ele não levanta a voz…”. No Batismo se dá a manifestação pública de Cristo, como aquele que veio para cumprir a profecia de Isaías, para ser o centro de aliança dos povos, luz das nações, que abre os olhos dos cegos, que tira os cativos das prisões e que liberta os que vivem nas trevas.
Cristo foi batizado no Jordão, também, a fim de em seu corpo semelhante ao nosso nos oferecer a purificação dos pecados. Descendo às águas do Jordão ele não somente dá aos homens o exemplo do que eles mesmos devem fazer, mas de maneira misteriosa ele já lava nas águas do Jordão, a humanidade inteira. Assim diz o hino do Ofício das Leituras de hoje: “Não quer lavar-se a si mesmo o Filho da Virgem pura, mas quer nas águas lavar a culpa da criatura”. E ainda São Gregório de Nazianzo diz num de seus sermões: “Jesus sai das águas, elevando consigo o mundo que estava submerso, e vê abrirem-se os céus de par em par, que Adão tinha fechado para si e sua posteridade, assim como o paraíso lhe fora fechado por uma espada de fogo”.[1] Embora não tivesse pecado, Cristo assumiu um corpo de pecado, ou seja, um corpo ferido pelas consequências do pecado. Por isso, ele desce com esse corpo ao Jordão, e o lava, e o purifica. No corpo de Jesus batizado no Jordão estão misticamente simbolizados os nossos corpos, que foram por Ele, por seu sangue derramado na cruz, lavados de todo pecado. E o céu, como diz São Gregório em seu Sermão, que havia sido fechado para nós por causa do pecado de Adão, agora em Cristo se abre novamente, e de lá desce o Espírito Santo em forma corpórea, como outrora uma pomba anunciou a Noé o fim do dilúvio, e pousa sobre o Cristo, sobre o Ungido do Pai, que veio para ser a nossa salvação.
João batizou com água, mas Jesus é aquele que batiza com o Espírito Santo. Nós fomos batizados em Cristo na água e no Espírito Santo. No dia do nosso batismo, o próprio Cristo, agindo nos seus ministros – por que quando alguém batiza é o próprio Cristo quem batiza[2] – deu-nos o seu Espírito Santo. Desde o nosso batismo nós somos cheios do Espírito Santo. Também sobre a fonte batismal naquele dia fez-se ouvir a voz do Pai que dava testemunho a nosso respeito, como deu do Cristo: “Tu és o meu filho amado, a minha filha amada”. Como diz o salmista: “Eis a voz do Senhor sobre as águas”. A voz do Senhor fez-se ouvir no Jordão, no dia do batismo de Cristo e fez-se ouvir também sobre o pequeno Jordão, sobre a fonte batismal, no dia do nosso batismo, quando fomos lavados nas águas regeneradoras, quando recebemos o novo nascimento, quando Cristo nos deu o seu Espírito Santo.
Nós que fomos batizados em Cristo, “nos revestimos de Cristo” (Gl 3,27). Nós que recebemos o Espírito Santo no dia do nosso batismo, devemos agora viver segundo o Espírito que recebemos, renovando diariamente o nosso empenho para sermos fiéis às promessas daquele dia e voltando, através do sacramento da penitência, à graça da amizade com Deus.
[1] Cf. Oratio in Sancta Lumina, São Gregório de Nazianzo. Liturgia das Horas. Vol. I, pp. 574-575
[2] Cf. SC 7