“Avança para águas profundas!”, eis a ordem que Jesus dá a Pedro após uma noite de pescaria frustrada. Pedro, com sua experiência de pescador, responde ao Mestre que já tentara pescar por toda a noite anterior – o que parecia tornar despropositada a norma dada por Jesus. Todavia o Apóstolo põe de lado sua sabedoria e continua: “Já que mandas, lançarei as redes” (Lc 5,4). A fé de Pedro foi amplamente recompensada, pois conseguiu captar tanto peixe que as redes se rompiam. Em conseqüência Jesus diz a Pedro: “Não tenhas medo! Doravante serás pescador de homens” (Lc 5,11).
Como se vê, o episódio quer ser transparente. A pesca realizada nas condições descritas é imagem do que acontece no plano espiritual. Pedro representa o cristão a quem Jesus chama para a profundidade e a grandeza de alma. A todos, indistintamente, é dirigida a vocação para a santidade ou a perfeição espiritual, como lembra o Concílio do Vaticano II (Constituição Lumen Gentium cap. V). Quem ouve tal chamado, talvez se sinta impelido a dizer com o Apóstolo:“Senhor, até hoje tentei corrigir-me da minha mediocridade, mas tenho a impressão de nada haver conseguido”. O desânimo e o conformismo tendem a dominar o cristão após os arroubos da juventude frustrados pela inclemência da luta. Esse estado de ânimo não pode ser duradouro; o “Avança para águas profundas!” continua a ressoar aos ouvidos de cada um pela vida inteira. Deixe então de lado a mesquinha sabedoria humana, e dê fé à palavra do Senhor: “Já que mandas, renovarei minha esperança…”. E o resultado há de ser paralelo ao de Pedro surpreendido pela copiosa pescaria.
Mais precisamente, tal episódio sugere grandes verdades:
1) Todo cristão é chamado a águas profundas, águas que exigem a estatura e a coragem de um herói. O heroísmo não é predicado de poucos indivíduos privilegiados, mas é o termo normal da vida cristã. Aspirar à grandeza de alma não é arrogância nem presunção vaidosa, mas é normal da vida cristã.
2) Essa nobre meta assusta, visto que a natureza humana é frágil e se deixa freqüentemente derrotar. Muitos concebem então a tendência a se conformar com uma conduta de vida “mediana”.
3) Eis, porém, que o Senhor não cessa de iniciar a superar a recordação do passado e olhar para o futuro com esperança e confiança: “Avança para as águas profundas!”.
4) O cristão responde ao preceito, movido pela fé: “Creio na tua Palavra”. São Paulo fez a experiência de crer, e crer “loucamente” (cf. 2Cor 11,24-29); conseqüentemente no fim da vida podia dizer: “Sei em quem acreditei… Ele não me frustrou, não me chamou para o impossível” (2Tm 1,12).
Possa este mês de maio, que é o mês da Virgem que acreditou (cf. Lc 1,45), sacudir o torpor de quem vai adormecendo, e despertar todos para o desejo de uma vida espiritual mais profunda e densa! “Avança para águas profundas!”
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 468, Maio/2001