Na sua segunda epístola, São Pedro faz alusão a uma imagem freqüente nas Escrituras: a de luz e trevas, significando a Verdade que raia ou desponta em meio às trevas da ignorância ou do erro da humanidade acabrunhada pelo pecado. Nessas trevas a Palavra de Deus brilha como luz “até que raie o dia e surja a estrela Dalva em nossos corações” (2Pd 1,19). Isto quer dizer que o cristão vive num período da história ambíguo, em que luz e trevas coexistem, devendo a luz dissipar por completo as trevas. Importante é a referência à estrela Dalva, que surge em nossos corações. Isto implica em dizer que a luz não está somente fora de nós, mas que cada um já traz algo de Definitivo dentro de si; os valores eternos não virão de longe, mas já os podemos desfrutar se dermos atenção à vida de filhos de Deus depositada em nossos corações pelo Batismo e alimentada pela Eucaristia.
Com outras palavras: vivemos a era do Sacramento ou do material portador do Espiritual, do temporal invólucro do Eterno, do provisório canal do Definitivo. O Cristianismo está essencialmente ligado a tal regime: começa pela santíssima humanidade de Cristo, que se prolonga no Corpo de Cristo que é a Igreja (Cl 1, 24) e se estende capilarmente a todo ser humano mediante os sete sacramentos clássicos.
Tal estado de coisas suscita no cristão duas atitudes necessárias:
– a procura da comunidade da Igreja. Bem dizia Tertuliano que somos peixinhos que nasceram na água (do Batismo ministrado pela Santa Mãe Igreja) e que só podem viver se permanecem dentro da água (cf. De Baptismo 1). O fiel católico ama a Igreja, sente com ela, sofre com ela e ora com ela como sendo sua Igreja e sua Mãe. Não pode ser cristão quem pretende aderir tão somente a Jesus Cristo, menosprezando o Corpo de Cristo que é a Igreja. É na Igreja que o discípulo recebe o livro da Palavra de Deus e na Igreja é que ele a lê, ciente de que a Palavra escrita é posterior à Palavra oral,… Palavra oral da qual a Igreja é a porta-voz credenciada (cf. Mt 16,16-19);
– a tensão em demanda do Definitivo. A vida eterna já foi outorgada a todo fiel com o seu dinamismo ou a sua capacidade de expansão. Daí a serenidade com que o cristão considera os altos e baixos da caminhada:
“Não nos deixamos abater. Pelo contrário, embora em nós o homem exterior vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova dia-a-dia. Pois nossas tribulações momentâneas são leves em relação ao peso eterno de glória que elas nos preparam até o excesso. Não olhamos para as coisas que se vêem, mas para as que não se vêem, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2Cor 4,16-18). – Aliás, a última palavra de toda a mensagem bíblica é Maranatha, Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20).
Assim será até que raie o Dia para cada qual no termo final de sua peregrinação terrestre.
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 461, Outubro/2000