1ª Leitura: At 1,1-11
Sl 46
2ª Leitura: Ef 1,17-23
Evangelho: Mc 16,15-20
Ele “subiu sem se afastar de nós” (Santo Agostinho)
“Estes dias, diletíssimos, que transcorreram entre a Ressurreição do Senhor e a sua Ascensão não se passaram na ociosidade; mas, neles foram confirmados grandes sacramentos e revelados grandes mistérios. Nestes dia foi abolido o medo da fúria da morte, e foi declarada a imortalidade não somente da alma, mas também do corpo.” (São Leão Magno, Sermão I, Sobre a Ascensão)
Como nos ensina São Leão Magno estes dias entre a Ressurreição e a Ascensão do Senhor não se passaram na ociosidade. De fato, ouvimos no segundo e no terceiro domingos do Tempo Pascal os relatos das aparições do Ressuscitado. Nessas aparições que Cristo faz aos seus discípulos o grande dom que Ele oferece é a paz. Ele é a nossa paz. Do que era dividido Ele fez uma unidade (Ef 2,14). Ele formou em si o homem novo, quebrando o muro de inimizade que havíamos levantado entre nós e Deus e entre nós e os irmãos pelo pecado.
Celebramos hoje um grande mistério, o mistério da Ascensão do Senhor. O Senhor que se fez obediente até a morte e morte de cruz, como nos fala São Paulo na carta aos Filipenses 2, 6-11, é ressuscitado pelo Pai e elevado às alturas do céu. Os discípulos ficaram a contemplar o Senhor que subia, como que antevendo também o dia em que seriam por Cristo elevados às alturas celestiais. Todavia, os misteriosos “homens vestidos de branco” dizem aos apóstolos como hoje nos fala a primeira leitura: “Homens da Galileia, porque ficais aí olhando? Estes Jesus que foi levado para o céu virá do mesmo modo como foi levado”. O Cristo subiu aos céus, Ele voltará, mas Ele está continuamente presente. Sabemos que Ele subiu aos céus e é precisamente este o mistério que hoje celebramos. Sabemos, também, que, do mesmo modo como Ele foi, Ele também voltará. Mas, não podemos negar que Ele está continuamente presente no meio de nós, de forma misteriosa, na Palavra, nos Sinais Sacramentais, no Corpo Místico dos batizados, nos que exercem o Sagrado Mistério, na voz da Igreja que ora e salmodia.
Como bem nos ensina São Leão Magno no texto citado no início de nossa reflexão, Ele nos confirmou grandes sacramentos e nos revelou grandes mistérios. Ele, que foi para o Pai e que voltará, está continuamente presente no meio de nós pela força do Divino Paráclito. É o Santo Espírito, o Senhor e Doador de Vida, a Memória Viva de Deus (Jo 14,26), que torna o próprio Cristo e os Mistérios de sua vida presentes para nós nos sacramentos da Igreja. Como nos ensina Santo Agostinho, Ele “subiu sem se afastar de nós” e “continua sofrendo na terra através das tribulações que nós experimentamos como seus membros”.[1]
Como nossa Cabeça, Cristo nos precede nas mansões celestiais; Ele é o primogênito dos mortos. Mas nós, como corpo seu que somos, o seguiremos, e onde Ele estiver também nós estaremos. Mais uma vez Santo Agostinho nos ensina, dizendo: “E assim como Ele subiu sem se afastar de nós, também nós subimos com ele, embora não se tenha ainda realizado em nosso corpo o que nos está prometido.”[2] Seremos, também nós, arrebatados para as alturas celestiais. Não arde o nosso coração diante dessa certeza? (Lc 24,32)
Todas as tribulações desse mundo cessarão quando se realizar definitivamente em nós a sua promessa. Temos às vezes medo de pensar nessas coisas eternas e sublimes porque achamos que elas nos afastam da realidade. Mas, qual é a realidade do cristão? Não é a vida nesse mundo! A realidade do cristão é Cristo! O cristão vive nesse mundo, mas sente saudade do céu, pois lá está nossa verdadeira pátria. O nosso coração está inquieto, pois o lugar do Corpo é junto com sua Cabeça. Este mundo só pode ser realmente transformado por quem vive assim. Quando temos o olhar no céu transformamos também o mundo, para que Ele se torne um pouco mais parecido com o céu! Mas, quando temos o olhar voltado para esse mundo e nossas esperanças estão fundadas nesse mundo, vivemos ainda centrados em nós mesmos e aí está a raiz de todo pecado.
Que grande esperança! Olhemos para o que nos diz a segunda leitura de hoje. Que o Pai nos dê um espírito de sabedoria; que o Pai abra o nosso coração à sua luz, que possamos conhecer à qual esperança somos chamados; qual riqueza de glória é a nossa herança; e que imenso poder ele exerceu em nosso favor. O Pai está nos dando nesta liturgia o Espírito de Sabedoria, o seu Espírito Santo.
O Pai, por meio do seu Espírito, nos abre o coração à sua luz, que é o próprio Cristo, o qual se apresentou a nós como “luz do mundo” e do qual dizemos “Luz da Luz”. Cristo, através da sua Páscoa e da sua Ascensão, que não são dois, mas um único mistério, nos revela à qual esperança somos chamados e qual é a nossa herança. A nossa esperança está na vida futura. A nossa herança está no céu. O Pai também nos ressuscitará como fez com Cristo e nos fará sentar no céu, esse é o grande poder que Ele exerceu em nosso favor.
Nós, que somos por natureza, mortais e corruptíveis, sujeitos a uma vida que corre para a morte, que fenece, que murcha, fomos elevados com Cristo à glória da ressurreição, a uma vida imortal. Nos sentaremos no céu com Ele: é essa a razão da nossa esperança, é essa a nossa herança. Quando diante de tantas razões para nos desesperarmos nos perguntarem porque ainda esperamos em Deus, devemos dizer: Porque no último dia Ele virá e me chamará do meio dos mortos pelo nome e fará sentar no céu com Ele. Quando parecer que não temos mais nada nesse mundo, que perdemos tudo, devemos nos lembrar que temos uma herança incorruptível, um tesouro que ninguém pode roubar de nós: a glória para a qual fomos feitos. Aproveitemos o mistério do culto que celebramos e experimentemos a alegria de antever e antegozar o que nos espera junto com o Senhor!
[1] Cf. Sermão Sobre a Ascensão do Senhor, LH, Vol. II, p. 828
[2] Ibidem