Santo Anselmo († 1109) foi monge beneditino e arcebispo de Cantuária (Inglaterra). Deixou vários escritos preciosos, que lhe mereceram o título de “Doutor da Igreja”. Nesses escritos encontram-se orações, das quais uma vai, a seguir, especialmente destacada:
Que há de fazer:
Ó Senhor Altíssimo,
Que há de fazer
Este teu exilado tão longe?
Que há de fazer
Este teu servo
Ansioso pelo teu amor
E lançado longe de tua face?
Anseia por te contemplar
E quão grande é
A ausência de tua face!
Tu és o meu Deus
Tu és o meu Senhor:
E eu nunca te vi.
No entanto, fui criado para te ver:
E ainda não fiz aquilo
Para que fui feito.
Este belo texto sugere reflexões:
1) “Exilado…”. Exilado é aquele que sabe estar longe da pátria; é caminheiro e viandante em demanda do regaço definitivo. Assim sentia-se Anselmo, como aliás também São Paulo, que escreveu: “Sabemos que, enquanto habitamos neste corpo, estamos fora da nossa mansão, longe do Senhor, pois caminhamos pela fé e não pela visão” (2Cor 5, 6s). De modo semelhante todo cristão tem consciência de estar à procura de algo maior e definitivo que responda às suas aspirações mais profundas; anseia por ver a Beleza Infinita.
2) “…Aquilo para que fui feito”. Todo ser humano pode dizer que fez muita coisa na vida ou realizou tudo o que estava ao seu alcance; apesar disto a fé replica que ainda não realizou o grande ato para o qual foi criado: ver Deus face a face. As demais tarefas efetuadas neste mundo são subsídios para que atinja o supremo termo que é a razão da sua existência. Esta afirmação pode causar surpresa a quem a ouve pela primeira vez, mas é lógica decorrência da mensagem do Evangelho. Bem dizia Santo Agostinho: “Senhor, Tu nos fizeste para Ti e inquieto é nosso coração enquanto não repousa em Ti” (Confissões I, 1). Todo cristão pode dizer com Cristo: “Saí do Pai e vim ao mundo; de novo deixo o mundo e vou para o Pai” (Jo 16, 28).
3) Em conseqüência, a vida terrestre toma a feição de uma grande preparação ou de um noviciado para um encontro face-a-face com a Beleza Infinita, única resposta cabal para os anseios mais profundos de ser humano. Esta afirmação não significa alienação aos deveres de estado de cada um, mas, ao contrário, infunde nova energia e novo estímulo ao cristão peregrino e lutador neste mundo.
Possa a oração de Santo Anselmo tornar-se a prece contínua de cada amigo de Deus, que não pode deixar de aspirar à plenitude da vida!
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 472, Setembro/2001.