A clássica doutrina, baseada nos dizeres do Apóstolo São Paulo (1Cor 13,13), ensina que há três grandes virtudes que unem o homem a Deus e, por isto, são ditas “teologais”: a fé, a esperança e a caridade. Destas três, a caridade é a maior, pois é o remate da perfeição. Todavia pode-se dizer que o pior dos males que possam acometer alguém na vida presente, não é a perda da fé, nem a perda da caridade, mas, sim a perda da esperança.
Com efeito. Quem não tem amor, está humanamente depauperado, mas pode, ao menos, voltar-se para Deus e dizer-Lhe: “Senhor, tenho o coração desfigurado ou mesmo cheio de ódio; não amo a Ti nem aos homens. Mas converte-me! Dá-me a graça de amar!” Esta prece prorrompendo de um coração sincero, agrada a Deus, que não pode deixar de lhe atender.
Por sua vez, quem não tem fé, pode também orar — orar condicionalmente —, dizendo: “Ó Deus, se Tu existes, ilumina-me, dá-me fé e dá-me amor a Ti!” Esta prece, condicional como é, não compromete o ateu; o Senhor Deus, porém, que “hipoteticamente” existe, não pode deixar de lhe atender.
Mas quem não tem esperança, não ora, precisamente porque nada espera receber. Não orando, fecha-se em si mesmo, atola-se, condenando-se a definhar em sua miséria. Por isto se diz com razão que a perda da esperança constitui a pior das situações humanas.
Na verdade, a oração é o princípio de solução de todas as nossas dificuldades. Quando nos sentimos deprimidos ou arrasados interiormente, impotentes para praticar o bem, oremos pedindo ao Pai a sua luz e a sua força, e Ele nô-las dará. É certo, porém, que para orar é preciso ter esperança. Mesmo que alguém não tenha mérito algum, mas se sinta caído no fundo do abismo, não deve deixar de orar. Reze cheio de esperança, e sairá de suas misérias. Para orar, basta ter esperança!
Com razão, já se disse que há três espécies de suicídio:
- o suicídio daqueles que dizem: “Procuro morrer”, e desferem um golpe contra si;
- o suicídio daqueles que dizem: “Deixe-me morrer”, e permitem que a moléstia os vitime, porque não se querem tratar;
- o suicídio daqueles que dizem: “deixo-me viver!”, isto é, “vivo sem rumo, sem ideal, sem esperança; faço tudo que me venha à imaginação, porque não aspiro a coisa alguma”. Este é o pior ou o mais desumano de todos os suicídios, pois nada há de tão radicalmente contrário ao ser humano como a falta de ideal e de esperança.
Estas reflexões tem sua aplicação oportuna na hora presente. A tentação do desânimo ou do desespero (ora mais, ora menos consciente) acomete a não poucos cristãos colocados diante da presente crise religiosa. Ora ceder a tal tentação seria a pior das desgraças. O cristão jamais se abate, jamais perde o seu ideal religioso, ideal sustentado pela vitória do próprio Cristo no dia de Páscoa! Um cristão triste ou perplexo é um “triste” cristão.
Os discípulos do Senhor sabem que as crises religiosas tem seu sentido providencial. Deus permite que seus fiéis se vejam às vezes a braços com a impiedade e a descrença, mesmo dos que eram mais fiéis e fervorosos. Já no século X (“século de ferro” ou “obscuro”), como no século XVI (século do humanismo paganizante), a Igreja atravessou fases muito penosas; o século XXI não é inédito, neste particular. O que Deus intenciona em tais épocas de contestação da fé e da virtude, é que seus fiéis trabalhem e lutem, sem dúvida, mas também… que tomem viva consciência de que só Ele pode socorrer e salvar decisivamente. Quando mais fracos e despojados nos sentimos, mais somos impelidos a procurar o Pai do céu, — na verdade, Deus quer dar grandes graças à sua Igreja na hora presente, mas mediante a oração, como Ele mesmo ensinou: “pedi e recebereis…” (Lc 11,9). Por conseguinte, os fiéis católicos, na situação atual mais do que nunca, hão de orar, e orar com firme esperança… Na situação atual… quando parece que menos do que nunca se valoriza e se pratica a oração.
É esta a lição que os tempos presentes nos incutem… Esta sim, e não abatimento nem desânimo!
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 115, Julho/1969.