“Abandonaste o teu primeiro amor” (Ap 2,4)… É esta a condição de quem passa por uma crise de fé, condição não rara em nossos dias. – Por que se dá isto?
Não é fácil sustentar por muito tempo um nobre ideal, principalmente quando este tem em mira valores espirituais ou transcendentais. Muitas outras metas parecem gozar de mais poder de atração. O materialismo da vida contemporânea tende a absorver o cristão, levando-o à procura de soluções imediatas; cede assim ao pragmatismo e à superficialidade de vida. Se o senso religioso não desaparece, vem a ser ao menos um “artigo” colocado a serviço do bem-estar temporal.
A fé suscita uma santa inquietude… a inquietude de quem não encontra resposta cabal em nenhuma criatura visível. Bem dizia Santo Agostinho: “Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti” (Confissões I, 1). Acontece, porém, que a inquietação em demanda dos bens temporais é mais realista e profícua para muitos, de modo a não deixar lugar para outro anseio. Alega então o cristão em crise: “Não tenho tempo para a religião… Guardo minha fé… Rezo minhas orações…”; em suma, cada qual faz “sua religião”.
Também se poderia apontar a lei “do mais fácil”. Há certos assuntos que incomodam; entre eles, o pensar no sentido da vida, no “por que e para que existo?”. Num mundo em que tudo é passageiro e relativo, a noção do Absoluto fica um tanto pálida e pode mesmo despertar medo… o medo do Definitivo e Necessário… o medo de reconhecer o vazio dos bens materiais, fugazes e ilusórios como são. Esse medo pode induzir o cristão a procurar “uma religião tranquilizante”, com algumas práticas piedosas que exijam muitos dos seus devotos.
Tal estado de coisas prepara uma grande decepção. É mais válido enfrentar a plena Verdade do que tentar fugir dela; cedo ou tarde os engodos cairão e a plena luz se mostrará.
Que fazer então?
Se é verdade que todo ser humano precisa de educação, mais verdade ainda é que o cristáo necessita de ser sacudido e estimulado na busca dos autênticos valores, que são invisíveis, sim, mais reais porém do que os visíveis. Esses genuínos valores não podem ser apreendidos pelos sentidos (olhos, ouvidos, tato…), mas podem ser experimentados. Sim; Deus é o Ser em plenitude, é o grande TU para o qual o homem foi feito; quem O procura corajosamente, avivando sempre o seu ideal, pode fazer a experiência de Deus, experiência que resulta da afinidade ou da familiaridade com Deus. Assim como existe a vida exterior de trabalho e produção concreta, existe a vida interior, que caracteriza as grandes personalidades e, especialmente, os Santos; é preciso que o cristão viva não a partir do exterior, mas a partir do interior ou da profundidade de sua vida espiritual.
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 457, Junho/2000