Na segunda carta aos Coríntios, São Paulo alude aos sofrimentos decorrentes de sua vida apostólica e diz explicitamente: “Vivemos sempre entregues à morte por causa de Jesus… assim a morte trabalha em nós; a vida, porém, em vós” (4,12). Esse intercâmbio paradoxal que faz da morte a passagem para a vida não só de quem padece, mas também para a vida dos irmãos, é familiar a São Paulo. Ele sabe que o cristão não sofre só, mas sofre em união com Cristo padecente e entregue à morte para a salvação do mundo. Dizia o Papa Pio XII: “Em Cristo somos remidos e corredentores”. Remidos passivamente, porque nada podemos fazer para nos livrar do pecado, mas, uma vez remidos, somos chamados a participar da Paixão redentora de Cristo, colaborando para a salvação do mundo, não somente por aquilo que dizemos e fazemos, mas também – e muito fecundamente – por aquilo que padecemos. Por isto é que o Apóstolo podia dizer: “A morte de Cristo trabalha em mim, mas a vida de Cristo assim se expande em vós”.
A mesma concepção volta na carta aos Gálatas: “Meus filhos, por quem eu de novo sofro as dores do parto, até que Cristo seja formado em vós” (Gl 4,19).
O contraste é tão familiar a Paulo que ele chega a dizer: “Quando sou fraco, então é que sou forte. É na fraqueza (do homem) que a força (de Deus) manifesta todo o seu poder”(2Cor 12,9).
Vale a pena recordar essas passagens do Apóstolo aos muitos irmãos e irmãs que sofrem nos dias atuais. Não são pessoas inúteis, marginalizadas, mas são membros do Corpo de Cristo que participam mais intensamente da gloriosa Paixão do Senhor e assim servem eficazmente à causa do Reino de Deus. Merecem atenção as palavras do Apóstolo que esclarecem o contraste: “Trazemos este tesouro em vasos de argila. Incessantemente e por toda parte trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus a fim de que a vida de Jesus seja também manifestada em nosso corpo” (2Cor 4,7).
Um tesouro em vaso de argila, eis o que o cristão vem a ser na definição de São Paulo: é portador de uma semente de vida eterna dentro do invólucro mortal de seu corpo. Por vezes a presença da argila se faz mais sensível e tende a abater o cristão; a fé, porém, o reergue e lhe diz que a argila passará, ao passo que o tesouro nela existente tende a desabrochar sempre mais. É precisamente a fragilidade da argila que permite discernir melhor o valor do tesouro que ela encerra.
Possam estas reflexões ser úteis aos irmãos e às irmãs que desejam viver uma santa Quaresma!
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 548, Fevereiro/2008.