Ano sai, ano entra… E o tempo passa.
Afinal, que é o tempo, que passa tão rapidamente?
Sem querer recorrer a definições filosóficas, podemos dizer que o tempo é o dom básico de Deus aos homens. Tudo o que fazemos, fazemo-lo no tempo, de modo que, sem tempo nada de bom podemos realizar. A consciência do valor do tempo escapa facilmente, visto que as ocupações cotidianas são tão absorventes que dificultam uma reflexão sobre o sentido do tempo. Eis, porém que a passagem de ano ocasiona algumas considerações.
Os anos se somam como os passos de uma caminhada, não em demanda do Nada, mas da Plenitude…, Plenitude de uma realidade eterna que, pelo Natal, entrou no tempo e tende a desabrochar-se cada vez mais dentro da temporalidade. Isto quer dizer que o cristão vive simultaneamente duas dimensões: a temporal, à qual está ligado pelos vínculos da sua corporeidade, e a eterna, da qual recebeu uma semente no dia do seu Batismo. É necessário que esta consciência de eternidade já iniciada se torne cada vez mais perspicaz e oriente os passos do cristão.
São Paulo apresenta a propósito uma bela imagem em 1Cor 7, 29-35. Considerando os altos e baixos da vida presente, com tudo o que nos faz rir e chorar, recomenda que o cristão não se derreta em lágrimas nem se decomponha em gargalhadas, “pois passa a figura deste mundo” (7,31). Assim falando, o Apóstolo compara o decurso da história humana ao enredo de uma peça de teatro; a platéia é chamada a tomar parte respondendo, aplaudindo, rindo, chorando…; os participantes assim inserem-se no enredo, mas não podem estar totalmente dentro deste, porque sabem que, quando menos esperarem, cairá a cortina sobre o palco, o enredo acabará, mas os membros da platéia continuarão, devendo prosseguir sua caminhada segundo a realidade transcendental existente em seu íntimo; é essa semente de eternidade que deve nortear todo o comportamento do cristão, mesmo quando ele é mais solicitado pelos afazeres temporais. A comparação da história deste mundo a um enredo de teatro, proposta pelo Apóstolo, não deprecia as realidades temporais, mais ilumina-as, salientando seu papel de sinais ou símbolos que apontam em direção do mais-além. Ela significa que tudo passa (mesmo as situações mais aflitivas passam) e só Deus fica com a infinita riqueza de seus dons, os únicos que podem saciar plenamente as aspirações humanas. Com outra imagem pode-se dizer o mesmo: o cristão está ancorado na eternidade e, por isto, firme e estável em meio às vicissitudes da vida presente; cf. Hb 6,19.
É com o olhar assim aberto para o Absoluto e a âncora lançada no oceano da eternidade que iniciamos um novo ano. Seja para todos fecundo em frutos imperecíveis!
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 499, Janeiro/2004.