O mês de março é bem marcado por um paradoxo: são trinta dias de morte à velha criatura, que culminam na ressurreição de um novo homem, o segundo Adão.
A Liturgia designa esse paradoxo com as palavras: “Refulge o mistério da Cruz”.
Mistério da Cruz… Por quê? – Porque, aos olhos do historiador prescindindo da fé, o patíbulo da ignomínia, destinado aos escravos, se tornou o símbolo de uma Boa-Nova que transformou a história. Hoje a cruz é trazida sobre o peito de muitos jovens, homens e mulheres, com certa ufania; ela serve para identificar a pessoa. Este é um dos fatos misteriosos de toda a história da humanidade…, fato que certamente revela uma mensagem ou um modo de ver diferente. Na verdade, a cruz significa que a morte não é morte, mas é passagem para a vida plena na comunhão com o Eterno; significa também que os precursores da morte (doenças, sofrimentos, incômodos diversos…) perderam seu sinal negativo para adquirir um valor positivo, visto que Deus quis assumi-los, passando por eles para formar a nova criatura. A sentença da justiça (“No dia que comeres do fruto proibido, morrerás”, Gn 2,17) não foi cancelada; os filhos de Adão morrem, mas tal sentença foi ultrapassada; a justiça não é a última palavra, que se lhe segue a misericórdia daquele “que primeiro nos amou” (1 Jo 4, 19).
Vê-se, pois que a reviravolta na estima da cruz é a expressão da revolução do pensamento suscitada pela Páscoa de Cristo.
Uma tal revolução não pode ser contemplada apenas com o intelecto. Ela exige uma resposta prática ou uma nova conduta de vida da parte daqueles que a reconhecem. Que nova conduta de vida será essa? – Nem todo cristão pode fazer coisas revolucionárias. A maioria se vê obrigada a limitar-se ao cotidiano e rotineiro. Pois bem; a todo cristão incumbe o dever de fazer extraordinariamente bem as coisas ordinárias. É precisamente isto que o Papa João Paulo II assinala em sua homilia de beatificação de um casal italiano, que como casal (esposo e esposa) foi declarado “Bem-aventurado” aos 21/10/01. A santidade; à qual todos os cristãos são chamados, pode-se resumir neste programa: fazer extraordinariamente bem as coisas ordinárias.
Seja esta a resposta do povo de Deus ao mistério da Cruz, que refulgirá mais uma vez a 04/04 pf. Com efeito; todo cristão há de ser um pequeno mistério ou paradoxo, porque, vivendo no tempo, se orienta pelos valores eternos, cuja posse lhe é de antemão outorgada por Aquele que venceu a morte e transfigurou a dor humana.
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 477, Março/2002.