O mês de setembro é o mês da Bíblia, … da Bíblia que, de um lado, é tão recomendada pela Igreja e, de outro lado, tão difícil e árdua a muitos leitores.
Por que tão recomendada?
– Porque a Bíblia está em íntima relação com o mistério da Encarnação ou do Verbo feito carne, que é o mistério central do Cristianismo (cf. Jo 1,14). Já antes que o Verbo de Deus se fizesse carne do homem, Ele se fez palavra do homem, entrando no linguajar pobre e rude dos antigos orientais. Tal é o valor da Escritura Sagrada: é a palavra humana assumida pelo próprio Deus para exprimir o plano salvífico do Senhor. Assim entendida, a Bíblia é um sacramental, ou seja, uma mensagem que santifica o leitor não apenas na medida do que ele entende, mas também, e principalmente, na medida da fé e do amor com que ele lê; esse sacramental nos põe em comunhão com o próprio Deus, preparando e continuando a comunhão que se dá no sacramento da Eucaristia. Toda palavra é um mistério, porque implica um pouco da vida e da riqueza de quem fala: quem muito lê as obras de determinado escritor, põe-se a comungar com o modo de pensar e amar desse autor. Conseqüentemente, quem lê assiduamente a Palavra de Deus, não pode deixar de entrar em comunhão com o pensamento e o amor do próprio Deus.
Por que então essa Palavra é tão difícil para muitos leitores?
– Porque ela participa das notas da Encarnação do Verbo. Quem via Jesus caminhando pelas estradas da Palestina, sentindo cansaço, fome e sede…, quem o viu dilacerado pelos maus tratos da sua Paixão…, devia ter dificuldade para penetrar no mistério desse Divino Mestre, tão desfigurado pelo elemento humano que Ele assumira e que O cercava. – Assim também é a Palavra de Deus: revestida de roupagem humana, arcaica e, além do mais, dilacerado por copistas, tradutores, fragilidade de papiros e pergaminhos, essa Palavra pode parecer insignificante ou desprezível aos olhos do leitor despreparado. Todavia quem aceita considerá-la de mais perto, recolocando-a em seu ambiente de origem e procurando entendê-la segundo o Espírito que a inspirou, descobre nela um alimento precioso para o seu percurso de peregrino. É pela experiência que se comprova a teoria. Comece o leitor pelos Evangelhos; depois de lidos e relidos, passe aos Atos e à epístola dos Apóstolos; tendo compreendido um pouco do Novo Testamento, sentirá a necessidade de conhecer o Antigo Testamento, pois o Novo está latente no Antigo, como o Antigo está patente no Novo.
O Verbo feito carne na plenitude dos tempos, o Verbo feito palavra humana para o anunciar e comentar, o Verbo feito Pão consagrado, eis três dons inseparáveis que o Pai oferece a todo cristão. Feliz é quem os reconhece!
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 376, Setembro/1993.