O mês de dezembro é caracterizado por encerramentos (de ano letivo, de atividades administrativas e outras) e balancetes… Todo cidadão sente a necessidade de um olhar retrospectivo para avaliar e tirar conclusões.
O cristão experimenta isto muito vivamente, lançando um olhar de fé sobre os grandes acontecimentos da história. Recorda o que pareça duro entre as ocorrências do ano que finda. Afinal, dizem os teólogos e os santos, tudo é graça. Isto quer dizer:
− os males físicos (achaques, lutos, revezes) têm o sentido providencial de nos incitar a reescalonar os valores; vemos quão fugazes são certos bens que nos atraem, e quão necessário é fixar o coração e a mente em bens melhores. Somente o Infinito é a resposta cabal; é n’Ele e através d’Ele que encontramos o que as criaturas parceladamente nos oferecem;
− os males morais (deficiências e falhas) também têm significado providencial, pois contribuem para nos fazer ver a verdade com humildade. O santo é precisamente “um pecador que reconhece o seu pecado” (Chesterton) e sabe que o Senhor Deus recebe todo réu sinceramente contrito e disposto a lutar para não reincidir.
A esperança do cristão é reavivada pela passagem de mais um Natal. Através dos seus símbolos, muito caros às famílias e à sociedade, Natal lembra que “Deus primeiro amou (e ama) o homem” (1Jo 4,19). E ama irreversivelmente, porque em Deus não há “Sim” e “Não”. A criatura é que pode vacilar e contradizer-se. Deus, porém, não o pode. Por conseguinte, sempre que o filho se volta para o Pai, levando contritamente as suas misérias, encontra o Primeiro Amor, que não sofre alteração nem diminuição.
Possa este Natal trazer aos cristãos um reforço da sua consciência de que a história é, em última análise, regida pelo Senhor Deus! Sendo assim, é com otimismo e confiança que há de ser considerada. Quanto mais as coisas transitórias se revelam insuficientes e fugazes, tanto mais se fortalece a certeza de que existem os valores grandes e definitivos, a que chegaremos através da luta de cada dia.
Possa este Natal significar também algo para os que não têm fé! O cansaço e as decepções da labuta incitam a procurar resposta para além do lado material da vida. Sim; o homem seria o mais absurdo de todos os seres se fosse, pela sua própria natureza, condenado a lutar sem encontrar o que procura: Paz, Justiça, Amor, Fraternidade… Tais bens não podem deixar de existir. Todavia a experiência comprova que nunca existiram nem existem plenamente nos quadros de alguma sociedade terrestre. O mistério do Natal nos diz que eles podem, sim, começar na terra pelo esforço do homem que compreendeu a sua missão, mas só se consumam na vida eterna.
A cada cristão toca tirar destas verdades as suas conclusões!
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 204, Dezembro/1976.