O mês de junho é dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. Esta devoção tomou vulto especial por ocasião das aparições de Jesus a S. Margarida Maria Alacoque († 1690), na época em que o jansenismo atemorizava os fiéis, propondo-lhes um Deus que não queria a salvação de todos os homens, mas apenas a dos eleitos. Em réplica a esta concepção, Jesus apresentou o seu Coração, símbolo do amor de Deus por toda a humanidade, amor tão forte que assumiu o que é do homem para dar-lhe o que é de Deus.
São Paulo explana esse amor com muita ênfase ao recordar a situação de gentios e judeus antes de Cristo: estavam mortos sob o domínio do pecado… “Mas Deus rico em misericórdia, por causa do seu grande amor…” O mas Deus é adversativo; inverte o quadro sombrio da morte, tornando-o luminosa perspectiva de vida. Essa reviravolta é devida ao amor de Deus; o Apóstolo faz questão de realçar bem o amor gratuito: “Deus que é misericordioso, por causa do grande amor… a nós, que estávamos mortos” (Ef 2,1-5). A morte, no caso, não era apenas ausência de vida, mas era a revolta e a inimizade para com Deus. Nada havia no homem que pudesse provocar a benevolência divina. Mas precisamente nisto consiste o amor de Deus: ele não precisa de ser motivado pela amabilidade do seu objeto; ao contrário, é esse amor que cria a amabilidade do objeto. O homem não é amado por Deus porque seja bom e amável, mas é bom e amável porque Deus o ama…
Amando-nos, Deus “nos tornou vivos em Cristo” (Ef 2,5). Como nos tornou vivos? – Enviando-nos o Filho, que assumiu o que é do homem no seio da Virgem; “trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano” (Gaudium et Spes nº 22); a seguir, morreu na Cruz, ressuscitou e nos deixou Batismo e Eucaristia para participarmos da vitória de Cristo. Assim fomos salvos. Esta palavra, na linguagem religiosa, talvez esteja inflacionada e empalidecida. Para entendê-la, pensamos no que acontece na vida do dia-a-dia, quando alguém é arrancado das garras da morte (morte corporal); pensemos no que ocorre quando os bombeiros salvam alguém das chamas de um incêndio ou quando a Defesa Civil retira vivo alguém soterrado pelos escombros de uma casa que desabou! Como aí é claro e quase palpável o conceito de salvação! Sem dúvida, a vida cotidiana está cheia de parábolas ou de situações que são imagens daquilo que acontece no plano superior ou espiritual. Fomos salvos não para morrer finalmente, mas para uma vida ainda mais preciosa do que a vida terrestre…, salvos para a vida eterna. E salvos pela graça, gratuitamente.
Entende-se então que Jesus aparece neste mês de junho sob o símbolo do Coração a recordar a verdade básica do Cristianismo ou extraordinária façanha do amor de Deus, façanha esquecida ou empalidecida na mente de muitos fiéis. Recordando-a, o Senhor pede uma resposta à altura do dom de Deus: “Eis o Coração que muito amou os homens, mas deles só tem recebido ingratidão”.
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 421, Junho/1997.