O Senhor Jesus compara a vida dos seus discípulos a uma gestação… dolorosa, mas, ao mesmo tempo, cheia de alegre expectativa:
“Em verdade, em verdade, vos digo: chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se alegrará. Vós vos entristecereis, mas a vossa tristeza se transformará em alegria. Quando a mulher está para dar à luz, entristece-se porque a sua hora chegou; quando, porém, dá à luz a criança, ela já não se lembra dos sofrimentos, pela alegria de ter vindo ao mundo um homem” (Jo 16,20s).
Jesus refere-se à alegria vazia que pode afetar certos setores da sociedade. Os cristãos não a compartilham para ser fiéis a Deus. Por este motivo podem parecer, ou mesmo sentir-se, tristes.
Que gestação é essa? Responde o Apóstolo: é o formar-se Cristo em nós (cf. Gl 4,19). Com efeito, um gérmen de filiação divina existe em todo cristão desde o Batismo; tende a desenvolver-se até atingir a estatura da plenitude de Cristo (cf. Ef 4,13). Uma vez terminado tal processo, a tristeza se converte em alegria,… a alegria de uma vida levada às duas dimensões rematadas, alegria que ninguém pode arrebatar.
A imagem utilizada pelo Senhor Jesus sugere reflexões:
A vida cristã é ambígua, paradoxal e, por isto, também misteriosa. Sim; por baixo dos véus da fragilidade humana, mortal, encontra-se algo de imortal, uma vida chamada a vencer a precariedade e transfigurá-la. São Paulo diria: trata-se de um vaso de argila portador de imenso tesouro (cf. 2Cor 4,7). A tristeza é prenhe de alegria; a imortalidade é o invólucro da vida mortal. Por isto, o cristão nunca se abate; não existe em seu vocabulário o termo “desânimo”; mesmo nas horas mais aflitivas, ele se lembra de que suas dores são dores de uma gestação e de um parto; quanto mais dolorido é este, tanto mais promissor de fecundidade.
A Sagrada Escritura recorre frequentemente à imagem das dores de parto, a fim de significar a instauração do Reino de Deus; cf. Mt 24,8; 1Ts 5,3; Rm 8,22. Em Ap 12,1-17 uma mulher fulgurante e bela sofre as dores de parto e dá à luz um filho que é o Messias (a Mulher, no caso, é Maria SSma.); depois continua sua obra genitora no deserto, onde é acometida pelo Dragão, que procura abocanhar os outros filhos da Mulher (que, no caso, é a Santa Mãe Igreja). Pois bem, todo cristão é uma microecclesiae (uma Igreja em miniatura), de modo que participa, em sua pessoa, da função maternal da Mulher “Maria-Igreja”; ele forma o Cristo em si, fazendo que o velho homem ceda espaço ao novo homem ou ao segundo Adão. Aliás, diz o Senhor Jesus: “Todo aquele que faz a vontade de meu Pai, este é meu irmão, minha irmã, minha mãe” (Mt 12,50); participa assim, a seu modo, da maternidade singular e modelar de Maria SSma.
Convém lembrar estas verdades no começo de novo ano, que traz seus desafios. Escreve o Apóstolo, consciente do paradoxo da sua existência: “Vivemos como tristes e, não obstante, sempre alegres; como indigentes e, não obstante, enriquecendo a muitos; como nada tendo, embora tudo possuamos” (2Cor 6,10).
Pe. Estêvão Bettencourt, OSB
Texto publicado na Revista Pergunte e Responderemos nº 440, Janeiro/1999.