1ª Leitura: Gn 2,18-24
Sl 127
2ª Leitura: Hb 2,9-11
Evangelho: Mc 10,2-16
“Assim, já não são dois, mas uma só carne” (Mc 10,8)
No Evangelho deste domingo encontramos uma catequese de Jesus sobre o matrimônio e a família, sobre o lugar do homem e da mulher na economia da salvação. O texto do evangelho se situa na viagem de Jesus em direção à Judeia. Enquanto Jesus ensinava às multidões, os fariseus se aproximaram dele para pô-lo à prova. É proposta, então, a Jesus, a questão a respeito da liceidade do divórcio. Os fariseus, desejosos de testar Jesus, perguntam se é lícito ou não ao marido repudiar sua esposa.
De fato, era uma pergunta capciosa, feita simplesmente com a intenção destrutiva de testar Jesus. Os fariseus já conheciam bem o texto de Dt 24,1, que permitia ao homem despedir a sua esposa caso essa não encontrasse mais graça aos seus olhos. Todavia, os fariseus querem pôr Jesus à prova, querem testá-lo, querem ver se Ele se coloca contra a Torá, para terem, assim, um motivo para acusá-lo. Jesus, contudo, não teme ser testado, porque Ele é a Palavra encarnada. Querendo testar Jesus, os fariseus é que são testados com relação ao seu conhecimento da Torá.
Jesus, então, se revela como o verdadeiro “intérprete” da Lei, manifestando aos seus ouvintes o seu verdadeiro sentido. É interessante notar que Jesus pergunta aos fariseus o que Moisés “mandou” (entéllomai) fazer. Os fariseus remetem Jesus a Dt 24,1, e afirmam que Moisés “permitiu” (epitréfo) que se repudiasse a mulher. Interessante o jogo de palavras de Marcos: Jesus pergunta o que Moisés “mandou” e os fariseus respondem dizendo o que Moisés “permitiu”. Moisés, de fato, não “mandou”, mas “permitiu” que o homem desse à sua mulher um documento de divórcio por causa da sua esklerokardia, por causa da sua “dureza de coração”.
Deus não pensou e nem desejou o divórcio, mas esta foi uma concessão de Moisés em virtude da dureza de coração do povo. Jesus afirma que, “no princípio”, no “gênesis”, no projeto original de Deus não foi assim. Jesus explica a Torá pela própria Torá! A Torá não se contradiz, pois o projeto original de Deus está lá manifestado, intacto, relatado no texto do Gênesis ao qual Jesus se refere. Todavia, na experiência da dureza de coração do povo Moisés lhes dá um preceito, transitório, que durará até que seus corações sejam dilatados para entender a Torá na sua integridade e não segundo os seus interesses.
Jesus retoma o texto do Gênesis 1,27 e 2,24 para afirmar que desde o princípio da criação “ele os fez homem e mulher, e os dois serão uma só carne.” Aqui se apresenta a revelação de Deus sobre a verdade a respeito do homem e da mulher e, consequentemente, do matrimônio. Vendo Deus que não era bom para o homem estar só, Deus resolve dar-lhe uma auxiliar “que lhe corresponda”, literalmente, “que ele pudesse olhar de frente”. Depois de criar a mulher, Deus a conduz até Adão e este exclama numa ação profética: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’ porque foi tirada do homem.” E, por isso, o homem deixa seu pai e sua mãe e se une à sua mulher e os dois serão uma só carne.
Alguns elementos podem ser destacados na primeira leitura. O primeiro deles é a igual dignidade que existe entre o homem e a mulher: essa foi tirada do seu lado aberto! Ela se chamará mulher (em hebraico îshá) por foi tirada do homem (îsh): palavras de uma mesma raiz e que, aqui, funcionam também para demonstrar a igual dignidade que há entre o homem e a mulher. A segunda ideia teológica presente no texto é a do casamento monogâmico: Deus cria uma mulher que corresponde ao homem. A terceira mensagem teológica do texto é a da comunhão que deve existir entre o homem e a mulher. O homem reconhece na mulher alguém que lhe corresponde, um outro eu, por isso ele afirma: “esta sim é osso dos meus ossos e carne da minha carne”. A mulher é a ajuda/auxílio adequado para o homem (Gn 2,18), alguém com quem ele vai dividir a vida. Por fim, o texto também afirma o vínculo indissolúvel que se cria entre os dois – serão uma só carne – não como uma Lei, porque a Lei ainda não havia sido dada, mas como um dom de Deus ao primeiro casal.
Somos chamados a olhar o matrimônio sob o prisma sacramental. O matrimônio deve ser, para os cristãos, um sinal visível da união de Cristo com sua Igreja (Ef 5,32) e, como tal, é um vínculo indissolúvel. Cristo não abandona jamais a Igreja, pois seu vínculo com ela é, também, indissolúvel. Ela, que também nasceu do seu lado aberto na cruz, como a mulher nasceu do lado aberto de Adão que dormia, não é abandonada em nenhuma hipótese pelo seu esposo. O amor de Cristo pela sua Igreja durou até a morte, foi um amor até as últimas consequências. Também o amor matrimonial, ainda que se torne, por causa das diferenças, um amor crucificado, é chamado a ser assumido até as suas últimas consequências. Sabemos, é claro, que existem situações dolorosas e difíceis que levam muitos casais a não levarem até o fim a união estabelecida pelo sacramento. Contudo, isso não nos deve impedir de ver a beleza da união conjugal no projeto amoroso de Deus.
Peçamos hoje pelas nossas famílias e pelos casais de nossas comunidades. Que as pedras do caminho e o peso dos anos não sufoquem aqueles que se colocaram nesta bela e exigente jornada. Que o amor dos casais se renove a cada dia e se faça sempre jovem, como é o amor de Cristo pela sua Igreja.