1ª Leitura: 2Rs 4,42-44
Sl 144
2ª Leitura: Ef 4,1-6
Evangelho: Jo 6,1-15
“Vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura” (Sl 144,16)
O salmista, contemplando a criação, percebe a bondade e a sabedoria de Deus, que cuida de todas as suas criaturas. Por isso, ele afirma: “Todos os olhos, ó Senhor, em vós esperam e vos lhes dais no tempo certo o alimento; vós abris a vossa mão e saciais todo ser vivo com fartura” (Sl 144,15-26). Se o salmista pôde afirmar isso contemplando a obra da criação, muito mais nós, que vemos preparada, em cada Eucaristia, uma dupla mesa – a da Palavra e a do Corpo e Sangue de Cristo – na qual Deus nos sacia, podemos repetir com muita firmeza e convicção: “Vós abris a vossa mão prodigamente e saciais todo ser vivo com fartura”. Deus abre não somente sua mão, mas sua boca, e nos sacia com sua Palavra. Ele abre o céu diante de nós, e nos dá a comer o Corpo e o Sangue daquele que por nós morreu e ressuscitou, seu Filho e Nosso Senhor.
A primeira leitura, que nos relata o milagre da multiplicação dos pães de cevada operada pelo profeta Elias, é sinal de uma realidade mais perfeita que virá. É no Evangelho, particularmente em Jo 6, cuja leitura começamos neste domingo e que vai perdurar até o 21º Domingo do Tempo Comum, que aquilo o que foi prefigurado pela ação portentosa do profeta encontrará sua plena realização.
Em primeiro lugar uma grande multidão segue Jesus, “porque via os sinais que ele operava em favor dos doentes” (Jo 6,2). A multidão segue Jesus não porque entende quem Ele é, mas por causa dos “sinais” que Ele realizava. Essa pobre multidão não conseguia enxergar através dos sinais. A morte e a doença, introduzidas no mundo em virtude do pecado, incomodam o homem, que sente em si o desejo de eternidade. Corremos atrás então de paliativos, queremos ser curados das nossas enfermidades e desejamos a solução apenas para os nossos problemas mais imediatos.
A atuação taumatúrgica de Jesus parece ser o que mais atrai essa multidão. Todavia, Jesus não quer somente nos dar paliativos, nem “aperitivos”, pois Ele nos prepara um banquete. A missão de Jesus não é a de um curandeiro ou milagreiro. Jesus vem para curar e restaurar o homem no seu mais íntimo, conduzindo-o para uma vida plena no Reino do Pai e não simplesmente uma vida longa nesta esfera temporal e caduca.
João chama a atenção do leitor para a proximidade da “Páscoa, a festa dos judeus” (Jo 6,4). Estando próxima a sua “Páscoa” Jesus realiza um sinal prefigurativo que nos dá a entender o verdadeiro sentido daquilo o que fora prefigurado na “Páscoa dos judeus”. Nesse contexto se insere o grande banquete que o Cristo realiza. Ele faz os homens sentarem-se e um menino lhe traz “cinco pães de cevada” e “dois peixes”. O número reduzido de dons quer aqui especificar a grandeza do milagre que Cristo irá realizar, maior que o de Elias que multiplicou “20 pães”.
O pão de cevada, por sua vez, tem um duplo significado: é o pão dos pobres, porque a cevada era normalmente mais barata que o trigo; mas o pão de cevada é também o pão das primícias que é oferecido a Deus, porque a cevada é colhida primeiro que o trigo. É esse alimento simples, mas de alto valor simbólico, que o Cristo toma em suas mãos e apresenta ao Pai. Eis a união da pobreza humana com o dom divino. O Cristo realiza o milagre não com gestos portentosos, mas com uma “oração de louvor – berakah”. Jesus faz uma “eucaristia”, uma ação de graças ao Pai, e Ele mesmo distribui os pães aos que estavam sentados: “Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam” (Jo 6,11).
Os apóstolos, enfim, enchem ainda doze cestos com as sobras dos pães. Essa “sobra” significa a superabundância do dom divino, que nos alimenta, nos sacia e ainda sobra. No milagre operado por Elias as pessoas comeram e ficaram saciadas. Aqui os homens comem, ficam saciados e ainda sobra. Mais adiante, Jesus vai explicar melhor o sentido desse milagre, afirmando que “Ele é o verdadeiro pão do céu” que veio para dar vida ao mundo.
O milagre da multiplicação dos pães é um símbolo daquilo o que o Cristo haveria de nos dar na Eucaristia. Nela, Cristo sacia nossa fome de forma plena, porque sacia não somente a fome do corpo, mas a nossa fome de eternidade. Nos dando a comer do seu Corpo e a beber do seu Sangue Ele nos faz participar da sua vida e nos guarda para a vida eterna, como reza a oração sobre as oferendas de hoje: “Acolhei, ó Pai, os dons que recebemos da vossa bondade e trazemos a este altar. Fazei que estes sagrados mistérios, pela força da vossa graça, nos santifiquem na vida presente e nos conduzam à eterna alegria.” Jesus é o trigo que será moído e triturado na sua morte de cruz para se tornar o puro “pão descido do céu” que sacia a nossa fome.
Todavia o Evangelho de hoje nos mostra que os homens continuavam cegos. Eles queriam fazer Jesus rei, mas um rei político, não um rei como de fato Ele é. Os que comeram e ficaram saciados não conseguiram sair da esfera temporal e por isso Jesus se retira, para o monte, para estar com o Pai. Jesus não procura uma glória desse mundo, Ele não precisa da glória dos homens, pois Ele vive da glória do Pai.
O pão do céu está aqui hoje. Cada vez que apresentamos os dons do pão e do vinho o Pai envia o Espírito Santo que os “eucaristiza”, ou seja, que os torna Cristo para nós. Sejamos homens e mulheres verdadeiramente eucarísticos, ou seja, que bendizem, que fazem da sua vida uma oblação, que são capazes de se deixar moer e triturar para se tornar pão de Deus. Quando participamos da celebração eucarística participamos da oração de louvor por excelência, onde o Filho glorifica ao Pai com o seu sacrifício na cruz por todos os homens. Não podemos participar da Eucaristia sem nos tornarmos homens e mulheres da “bênção”. Comungamos a Eucaristia para nos tornarmos Eucaristia, para nos tornarmos uma bênção, uma oração de louvor viva.
É a Eucaristia quem faz a Igreja. Somos um só “Corpo” porque comemos de um único “Pão” como nos ensina São Paulo: “Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão.” (1Cor 10,17) É a partir dessa consciência que podemos viver o que nos exorta o mesmo apóstolo Paulo na segunda leitura: “suportar-nos com paciência no amor” (Ef 4,2).
Vejam o sentido da imagem que o apóstolo usa. Nós somos um único Corpo, mas somos também um templo, um edifício espiritual. Suportar-nos significa sermos como as pedras do templo, que se suportam umas às outras a fim de que a estrutura se mantenha. Assim nós, quais “pedras vivas” (1Pd 2,5), precisamos suportar-nos, sustentar-nos, para que o edifício espiritual que é a Igreja se mantenha, para que o Corpo continue unido.
Que se aprofunde em nós a consciência de que o Domingo é, por excelência, o Dia da Igreja, como tão bem nos ensinou São João Paulo II, de saudosa e feliz memória, na sua encíclica Dies Domini, sobre o Domingo, dia do Senhor. Que reunidos em torno da mesa da Palavra e da mesa eucarística, realize-se em nós o milagre da unidade, a fim de que comendo do mesmo pão e bebendo do mesmo cálice, sejamos um só em Cristo Jesus.