1ª Leitura: Dt 18,15-20
Sl 94 (95)
2ª Leitura: 1Cor 7,32-35
Evangelho: Mc 1,21-28
Neste Domingo, Dia do Senhor, a primeira leitura é uma perícope que se encontra no grande contexto do Código Deuterônomico: Dt 12-26. O povo de Israel, no Horeb, temendo a grande teofania, escolhe ouvir a Deus por intermédio de um profeta. O profeta é o transmissor e intérprete da Palavra Divina. Moisés promete, então, que Deus enviará depois dele um outro que será também para o povo um profeta, ou seja, um portador da Palavra Divina. Da parte de Deus nunca faltará a Palavra. A profecia, no entanto, pode implicar também numa condenação: de um lado para o povo, caso não ouça o profeta; de outro, para o próprio profeta, caso profira em nome de Deus uma palavra que Ele não enviou ou profetize em nome de outros deuses. Trata-se aqui, mais uma vez, do tema da escuta. Aquele que não dá ouvidos à Palavra divina deverá acertar contas pessoalmente com o próprio Deus (cf. v. 19).
Esse tema retornará no Salmo 94 (95). Este salmo é conhecido na liturgia cristã como salmo “invitatório”, ou seja, “salmo que convida”, que convida ao louvor de Deus “Vinde exultemos de alegria no Senhor” e à escuta à sua Palavra “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz”. Este salmo nos recorda o episódio de Massa e Meribá, onde o povo não quis saber de ouvir a voz de Deus. O salmista nos alerta sobre o perigo da esclerocardia (dureza de coração), ou seja, da “dureza de coração”, tantas vezes condenada por Jesus e que pode nos atacar, impedindo-nos de ouvir, meditar, guardar e pôr em prática Palavra divina.
O Evangelho é o coração de toda a liturgia da Palavra. O ensinamento dado por Jesus causa estupefação porque é dado com autoridade (cf. Mc 1,22) e não como era dado pelos fariseus. Não se trata somente de um ensinamento “novo” (cf. Mc 1,27), mas de um ensinamento “novo dado com autoridade”, com exousia, a palavra grega que Marcos utiliza para definir a autoridade de Jesus. Segundo Johannes Baptist Bauer[1], podemos entender exousia como “competência, liberdade e poder”, três termos que estão, na opinião deste autor, intimamente interligados. Jesus fala com “competência” porque Ele é o único que pode dar o verdadeiro sentido da Lei, Ele é o exegeta por excelência. Jesus fala com “liberdade” porque Ele não está comprometido com os homens nem com aquilo que lhes agrada ouvir, mas o seu compromisso é com Ele mesmo, que é a Verdade, e com o Pai que o enviou. Sendo assim, Ele não precisa esconder nem escamotear nada, mas pode falar, e de fato fala, pondo tudo na luz. Por fim, Ele fala com “poder” porque a sua Palavra é eficaz, ou seja, ela realiza o que significa. Foi assim na cura/exorcismo desse possesso. Pelo poder da sua Palavra, e não por um espetáculo, Cristo o liberta das cadeias do demônio. O Evangelho se une à primeira leitura porque nos convida a ouvirmos o ensinamento “novo”, dado com “autoridade” para cada um de nós que nos abrimos à sua Palavra.
Podemos concluir nossa reflexão com a segunda leitura. Sem querer impor um preceito, mas apresentando o seu próprio testemunho e falando do seu zelo pelas almas, Paulo apresenta aos cristãos de Corinto a vida celibatária, a virgindade cristã por amor do Reino dos Céus. Não se trata de um menosprezo pelo matrimônio, muito menos ainda de uma virgindade apenas como aquela dos filósofos, para poder se dedicar mais profundamente à meditação dos grandes temas que rondam o pensamento humano. Trata-se, isso sim, de uma disponibilidade de coração para ser inteiramente do Senhor e cuidar de corpo e alma daquilo o que é d’Ele.
Que o Senhor nos ajude a guardarmos sempre sua Palavra. Deixemos que, pelo poder desta mesma Palavra, Ele também nos liberte de tudo o que nos aprisiona, a fim de sermos verdadeiramente livres para seguir o Cordeiro
[1] Cf. Dicionário Bíblico-Teológico. Edições Loyola. SãoPaulo. Verbete: Força/Poder.