1ª Leitura: Ez 18,25-28
Sl 24
2ª Leitura: Fl 2,1-11
Evangelho: Mt 21,28-32
O Domingo, Dia do Senhor, é o dia por excelência da “escuta”. Podemos ouvir o Senhor que, nas nossas assembleias, nos faz de novo aquele convite: “Ouve, ó Israel…” (cf. Dt 6,4). A Igreja é o novo Israel, reunido e libertado pelo sangue do Cordeiro, pelo mistério da sua Páscoa. Como membros da Igreja, nos reunimos em assembleia, aqueles é claro que podemos sair de nossas casas nesse contexto de pandemia, para ouvir a Palavra, nos alimentar dela, e depois nos nutrirmos da mesa do Pão da Vida, o Corpo e o Sangue do Cristo, alimento que nos guarda para a vida eterna. Mesmo os que ainda estão impedidos de sair, encontram na Palavra proclamada ou meditada pessoalmente, o alimento que os sustenta nesse duro período que estamos atravessando.
Nossa reflexão deste domingo poderia começar pela segunda leitura. O apóstolo Paulo exorta os Filipenses a viver o amor mútuo. Ele deseja que, na comunidade cristã, a busca por uma glória vazia (vanglória) seja extinguida, a fim de que nasça em cada um a virtude da humildade.
Para ilustrar sua exortação com um exemplo, Paulo serve-se de um hino cristológico contido em Fl 2,6-11, que apresenta o rebaixamento, a kénosis, e a consequente glorificação do Senhor. Sendo Deus, Cristo Jesus desceu em nossa direção, assumiu nossa humanidade. Paulo apresenta uma tríplice gradação na kénosis de Jesus: assumiu a forma de servo obediente, obediente até a morte e morte de cruz. Logo em seguida, Paulo utiliza uma pequena palavra, o termo grego dió, traduzido em português pela expressão “por isso”, para mostrar como a exaltação do Cristo foi de uma única fez: por isso, porque esvaziou-se a si mesmo, Deus o exaltou acima de tudo. Esse foi o sublime exemplo de Cristo: sendo Deus, desceu até nós, esvaziou-se, a fim de ser exaltado pelo Pai. Quanto mais nós, pobres criaturas marcadas pela fragilidade e pela inclinação para o pecado, não devemos também “esvaziar-nos”, reconhecer nossa pequenez, a fim de que o Pai nos exalte no momento oportuno. Eis aí a humildade a qual o apóstolo nos exorta: reconhecer quem nós somos e nada fazer por competição e vanglória, buscando não somente o que é bom para nós, mas o que é bom também para os irmãos.
A primeira leitura e o evangelho deste domingo, por sua vez, são uma afirmação em primeiro lugar da misericórdia de Deus, que está sempre disposto a acolher o pecador que volta arrependido. Num segundo momento são um alerta contra o perigo que existe, sobretudo para as pessoas religiosas, de achar que já estão salvos e que não precisam manter-se vigilantes na prática do bem e da justiça. Em síntese, podemos dizer que tais textos são um encorajamento para os pecadores e um alerta para os arrogantes.
Na primeira leitura, o profeta Ezequiel utiliza por três vezes o verbo “voltar”, o verbo hebraico shuv, muito presente nos textos que constituem um chamado à conversão. A conversão é essa “volta” para Deus, nosso ponto de origem, de onde nos afastamos pelo pecado. Tal verbo ocorre nos vv. 26.27.28: o justo, se “volta” da sua justiça, ou seja, se se afasta dela, morre por ter se afastado do caminho do bem; da mesma forma o ímpio, se “voltar” da sua impiedade, ou seja, se se afastar do caminho do mal, viverá. Tendo “voltado”, se “arrependido” dos pecados não morrerá, mas viverá. Com isso, o profeta demonstra que Deus é pura misericórdia, “reconduzindo ao bom caminho os pecadores”, como afirma o Salmo responsorial desse domingo (cf. Sl 24[25],8).
A palavra do profeta torna-se, ao mesmo tempo, um alerta para os israelitas que se acham piedosos. O homem não pode confiar na justiça que praticou no passado e achar que agora pode afastar-se dela. Isso seria arrogância. Cada um deve vigiar sobre si mesmo, esforçando-se por manter-se no caminho do bem até o fim e sabendo que, se peca, Deus está pronto para perdoar o pecador que se arrepende.
Algo semelhante nos é apresentado no evangelho, com a parábola dos dois filhos. O primeiro filho parece rebelde, não quer trabalhar na vinha de seu pai. No entanto, se arrepende e decide ir. O segundo, tão pronto para obedecer, diz com os lábios que irá, mas na prática permanece sem obedecer a vontade do pai. Jesus faz com que os próprios sacerdotes e anciãos do povo pronunciem sobre si a sentença: quem fez a vontade do Pai não foi o filho que disse que ia para a vinha, mas não foi; quem a fez foi o primeiro que, embora afirmando que não queria ir, reconsiderou sua atitude, “arrependeu-se” e foi.
O uso do verbo grego metamélomai – arrepender-se, mudar de opinião – nos vv. 29 e 32, deixa claro que os dois filhos da parábola são um símbolo: o filho que “se arrependeu” (metamélomai – v. 29) e foi trabalhar na vinha simboliza as prostitutas e os cobradores de impostos, que ouviam João Batista e aceitavam o batismo de conversão e que acolheram, depois, a boa nova de Jesus; o filho que apenas professou com os lábios a sua obediência simboliza, por sua vez, os anciãos do povo e os sacerdotes, que “não se arrependeram” (metamélomai – v. 32) para crer na boa nova de Jesus, cujo anúncio foi preparado pela pregação de João Batista.
Tal como a primeira leitura, o Evangelho cumpre uma dupla finalidade. Em primeiro lugar, ele alerta sobre o perigo de uma autoexaltação, de um comodismo, que poderia levar o homem, sobretudo o homem religioso, a se achar justo diante de Deus e não mais necessitado de conversão. Todos precisamos de conversão. Todos estamos a caminho, caindo e levantando o tempo todo, até o dia em que Deus estenderá a sua mão para nos erguer definitivamente. Além disso, a parábola e a consequente explicação de Jesus são um convite amoroso e uma palavra de encorajamento para os que caem: nenhum pecador deve desesperar-se diante de Deus, pois Ele deseja dar o perdão a todo o que a Ele se volta de todo o coração. O Senhor não fica recordando nossas faltas, mas recorda sempre “sua ternura e compaixão” como rezamos no refrão do Salmo de hoje. Confiemos na misericórdia do Senhor e para Ele nos voltemos de todo o coração.