1ª Leitura: Ez 33,7-9
Sl 94 (95)
2ª Leitura: Rm 13,8-10
Evangelho: Mt 18,15-20
O salmo responsorial desse domingo é um convite a nos deixarmos penetrar pela Palavra de Deus: Não fecheis o coração! Ouvi, hoje, a voz de Deus. Esse Salmo nos recorda o episódio passado em Nm 20,1-13, junto às águas de Meriba. Ali, nem o povo, nem Moisés e nem Aarão creram em Deus. O povo duvidou que Deus poderia matar sua sede; Moisés e Aarão, por sua vez, também não acreditaram que Deus pudesse fazer brotar água da rocha. O salmista nos exorta a não imitar o mesmo erro, mas a ouvir, “hoje”, a voz de Deus (cf. Sl 94[95],7). A liturgia da Palavra é o local privilegiado para nos deixarmos atingir pela força da Palavra do Senhor.
A primeira leitura deste domingo, tomada do livro do profeta Ezequiel, é uma exortação de Deus ao profeta. Esse, logo assim que recebe de Deus uma Palavra a respeito do pecador, deve comunicá-la ao mesmo pecador a fim de que se converta. Caso o pecador, mesmo tendo ouvido a voz do profeta, não se converta, o pecador morrerá por causa do seu pecado, mas o profeta será inocentado, porque não deixou de comunicar ao pecador a Palavra recebida. Todavia, se o profeta silenciar a sua voz e não exortar o pecador, o pecador morrerá por própria culpa, mas o profeta será cobrado pela morte do pecador, porque Ele silenciou a Palavra não exercendo o seu carisma profético.
O Evangelho que acabamos de ouvir nos narra uma Palavra semelhante. Aliás, a primeira leitura e o Evangelho estão sempre relacionados na missa de Domingo, fazendo um conjunto harmonioso que vai da profecia à plena realização em Cristo. Estamos diante da cena do discurso de Jesus sobre a Igreja e aqui temos um primeiro dito de Jesus que vai do versículo 15 ao 17.
Este primeiro dito de Jesus diz respeito à “correção fraterna”. Jesus afirma que, na comunidade, se o irmão pecar, ele deve ser corrigido por outro. Em primeiro lugar, em particular. Depois, caso não se emende, diante de duas ou três testemunhas. Por fim, se nem assim se emendar, à questão deve ser levada à Igreja. Se depois de todas as tentativas o irmão ainda quiser permanecer no pecado, ele deve então ser tratado como um pagão ou um pecador público.
Esta Palavra se torna muitas vezes difícil de ser compreendida no contexto eclesial que nós vivemos. Muitas vezes chegamos à assembleia eucarística e não conhecemos aqueles que dividem conosco o espaço sagrado. Perdemos o sentido de Igreja. Não percebemos que somos membros uns dos outros (cf. Rm 12,5) e que, juntos, formamos o único Corpo de Cristo (cf. 1Cor 12,27). Por isso, ficamos muitas vezes isolados no nosso egoísmo, preocupando-nos apenas com nossa própria vida, sem perceber que somos um corpo, onde tudo deveria ser partilhado e comunicado. A correção fraterna deveria ser o meio pelo qual esse “corpo” que é a Igreja pudesse atingir seu pleno crescimento em Cristo.
Outras vezes, dominados pela soberba, que nos faz crer que somos melhores que os demais e que o bem que fazemos provém de nós mesmos, e não de Deus, ao invés de uma salutar correção, que brota sempre do mandamento do amor (segunda leitura), nos perdemos pelo caminho da crítica destrutiva e da fofoca, que condena, que denigre a imagem do outro, que rebaixa o irmão para se superexaltar.
Devemos fugir tanto do espírito da crítica, filho da soberba, quando do espírito do indiferentismo diante dos irmãos, filho muitas vezes do egoísmo, que nos faz ficar centrados em nós mesmos e não considerarmo-nos parte de um todo. O Senhor nos exorta, hoje, a vivermos concretamente o amor e a sermos, na vida dos irmãos, uma voz profética, a fim de ajudar os que precisam retornar ao bom caminho.
Vemos no Evangelho que separar o pecador da comunidade é o último recurso, aplicado somente quando de fato o pecador não quer converter-se nem dar ouvidos à voz de ninguém. Aí não é tanto a comunidade que o segrega, como se estivesse querendo ser uma comunidade de puros, mas é o mesmo pecador que se autosegrega fechando seus ouvidos à Palavra e seu coração à correção dos irmãos. A Igreja apenas ratifica essa segregação, porque Cristo estende, de certo modo, aos demais ministros da Igreja a prerrogativa de Pedro, afirmando “tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu”.
Falamos até agora da perspectiva de quem corrige, mas devemos também lançar um outro olhar e ver essa Palavra de Deus sob a perspectiva de quem é corrigido, porque na Igreja, ora somos os que devem corrigir, ora somos os que devem ser corrigidos.
Precisamos pedir que o Senhor nos revista do alto com o dom da humildade, para recebermos num coração tranquilo e pacificado a correção dos irmãos.
Não devemos nos cansar de ser corrigidos. A correção dos irmãos, que nos veem melhor do que nós nos vemos, nos ajuda a progredir em Cristo. A correção fraterna vai fazendo, aos poucos, com que a imagem de Cristo resplandeça cada vez melhor em nós. Por isso, devemos ser humildes e estar abertos à correção, a fim de que não nos separemos dos irmãos.
Algumas vezes nós mesmos nos separamos da comunidade, porque não queremos acolher a correção. Ficamos aborrecidos porque alguém quis nos corrigir e aí nos afastamos. Não sejamos assim! Poderíamos aplicar aqui o texto de 1Ts 5,21: Discerni tudo e ficai com o que é bom! São Paulo fala, aqui, do não desprezar as profecias. Mas, poderíamos aplicar esse texto à correção fraterna recebida. Não a desprezemos de início! Mas, primeiro, a examinemos. O próprio Senhor, através do seu Espírito, nos mostrará o que é bom e o que deve ser guardado para a nossa edificação.
Que não fiquemos devendo nada a ninguém, “a não ser o amor recíproco”, como nos diz a segunda leitura. Cheios desse amor, possamos exortar e corrigir fraternalmente os que se acham no erro para que se “convertam e vivam” (cf. Ez 18,23). Que Deus nos dê um coração que o ame profundamente e sempre mais progrida na virtude, a fim de, quando corrigidos, possamos acolher de modo tranquilo e de coração aberto a palavra dos irmãos. Assim, a imagem de Cristo resplandecerá cada vez melhor em nós.