1 Evangelho: Mt 21,1-11
1ª Leitura: Is 50,4-7
Sl 21 (22)
2ª Leitura: Fl 2,6-11
Evangelho: Mt 26,14 – 27,66
Santo André de Creta, bispo falecido em meados do século, comentando o sentido espiritual do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor escreveu:“(…) em vez de mantos ou ramos sem vida, em vez de folhagens que alegram o olhar por pouco tempo, mas depressa perdem o seu verdor, prostremo-nos aos pés de Cristo. (…) prostremo-nos a seus pés como mantos estendidos.”[1]
Com a celebração do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor tem início para nós a Semana Santa, a “Grande Semana” como era chamada pelos antigos. Era assim chamada em virtude de nela se concentrarem as celebrações que nos colocam em contato com o mistério da morte e ressurreição de nosso Divino Redentor. Embora, em cada Eucaristia, o Mistério Pascal de Cristo se atualize para nós, nesta semana, através de celebrações muito específicas, somos confrontados com cada passo de nosso Salvador em direção à sua Páscoa, desde a entrada triunfal em Jerusalém, até a manhã gloriosa do sepulcro vazio.
Hoje, nosso Senhor entra triunfalmente em Jerusalém. É aclamado como “Filho de Davi”, um título messiânico. Nosso Senhor passa por cima de ramos e mantos estendidos e até mesmo da boca das criancinhas sai a proclamação: “Bendito o que vem em nome do Senhor!” Muitos dos que aqui o aclamam como Senhor e Rei, gritarão depois: “Fora com Ele! Crucifica-o!” É o mistério do pecado; é o mistério da ingratidão infinita dos homens, que não souberam reconhecer que o Amor os visitava.
A primeira leitura é um trecho do livro do profeta Isaías, e nos traz o “terceiro canto do Servo de Deus”[2]. Esta figura misteriosa profetizada por Isaías, alguém que assumiria sobre si os pecados dos homens, é o próprio Cristo, que assumiu no seio da Virgem a nossa humanidade a fim de oferecê-la na cruz, para nossa salvação.
Como não reconhecer a voz do Senhor nestas palavras: “Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas…” Ele fez tudo isso por nós. Ele experimentou o abandono e sentiu-se angustiado no madeiro da cruz, como nos revela o Salmo 21(22), que o próprio Cristo rezou na hora derradeira da sua paixão: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste…”
Paulo também nos testemunha esta entrega total do Cristo por nós na segunda leitura. Este trecho da carta aos Filipenses nos apresenta o mistério do esvaziamento de Cristo. Afirma o apóstolo, que sendo igual ao Pai em divindade e existindo desde toda a eternidade junto do Pai, Cristo quis voluntariamente abrir mão da sua glória a fim de nos salvar. Ele não abriu mão da sua divindade, pois continuou sendo Deus, mas abriu mão da sua glória, daquela glória que Ele revelou aos discípulos no Monte Tabor, daquela glória que Ele sempre teve junto do Pai, a fim de ser igual a nós em tudo, exceto no pecado. Paulo nos diz que Ele assumiu a “condição de servo”, ou seja, sendo Deus, assumiu nossa humanidade e tornou-se igual aos homens: propenso ao sofrimento, às angústias desta vida terrena, à caducidade de nossa condição “pós-lapsária”[3] e condenado a morrer. Ele “humilhou-se” a si mesmo diz o apóstolo; Ele fez a sua kénosis; Ele se fez obediente até a morte e “morte de cruz”, acrescenta Paulo. Ele não somente assumiu voluntariamente a morte, da qual nós corremos, mas o pior gênero de morte: a morte de cruz, a morte dos malditos, a morte dos criminosos, a morte daqueles – segundo a concepção hebraica – que estavam completamente separados de Deus. Com afirma Paulo na carta aos Coríntios: “Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por causa de nós, a fim de que, por ele, nos tornemos justiça de Deus” (2Cor 5,21).
A entrega que Cristo faz de si mesmo na cruz nos manifesta duas coisas. Em primeiro lugar, a sua confiança infinita no amor do Pai. Jesus se entregou totalmente porque Ele sabia que o seu destino não estava nas mãos dos homens, mas nas mãos amorosíssimas do Pai. Por isso, na cruz, Ele exclamou: “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Em segundo lugar, o seu amor infinito pelos homens: pois Ele não hesitou em dar sua vida por nós.
Ao contemplarmos este mistério de amor, devemos glorificar a Deus. Devemos “agitar os nossos ramos espirituais” como nos diz Santo André de Creta. Devemos nos prostrar em adoração como nos diz o mesmo Santo em um de seus escritos já mencionados no início desta reflexão.
Até que cheguemos na vida eterna que o Cristo conquistou para nós no madeiro da cruz, devemos passar também pelo mistério da nossa cruz. Mas, devemos nos lembrar que na cruz d’Ele a nossa também estava significada. Devemos confiar como Ele confiou e devemos nos entregar como Ele se entregou. Nós não somos vítimas de nada, nem de ninguém. Ainda que tomem a nossa vida, nós estamos sempre nas mãos do Pai, como Cristo. E o Amor do Pai nos ressuscitará. Nunca cairemos das mãos de Deus, pois Ele nos sustenta com sua mão (Sl 118[119],116).
Em nossas cruzes, não desanimemos, mas façamos como Cristo, continuemos caminhando com o rosto “impassível como pedra” como dizia Isaías na primeira leitura, confiando que no final de tudo, o amor infinito do Pai que o Cristo nos revelou, fará conosco como fez com o Cristo: nos ressuscitará e nos colocará no Reino que para nós está preparado desde a fundação do mundo. Neste Reino, Cristo entrou gloriosamente, porque Ele é o Rei dos Reis. Seguindo-o entraremos também nós neste Reino de amor e comunhão infinitos. Confiemos no Pai, abandonemo-nos nas mãos d’Ele e continuemos em Paz.
[1] Santo André de Creta, Bispo, Oratio 9 “in ramos palmarum”
[2] Costuma-se chamar essa personagem que aparece no livro de Isaías de “Servo de YHWH”. Embora muitas traduções da Bíblia transliterem essas quatro consoantes como “Javé ou Yahweh”, o nome próprio de Deus não deve ser pronunciado. Quando elas aparecem podemos ler “o Senhor” ou “Adonai”, epíteto hebraico que significa “meu Senhor”.
[3] A condição pós-lapsária é a condição do homem após o pecado. Cristo não tinha pecado em si, por ser Deus, mas assumiu uma humanidade que carregava nela as consequências do pecado, como a mortalidade, por exemplo.