Eclo 15,16-21
Sl 118 (119)
1Cor 2,6-10
Mt 5,17-37
Se quiseres observar os mandamentos, eles te guardarão (cf. Eclo 15,16)
“…o Espírito sonda todas as coisas, mesma as profundezas de Deus” (cf. 1Cor 2,10). Assim termina a segunda leitura de hoje na qual o apóstolo Paulo fala da “sabedoria”, não daquela sabedoria humana que Paulo chama de “a sabedoria dos poderosos deste mundo”, mas da verdadeira sabedoria, ou seja, do plano salvífico do Pai, outrora oculto, mas agora plenamente manifesto em Cristo Jesus. Deus habita em nós pela força do seu Espírito. O Espírito Santo fez de cada um de nós, no nosso batismo, um templo para Deus. Na vida cristã devemos nos esforçar por viver de acordo com essa realidade. Na oração coleta de hoje o sacerdote diz: “…dai-nos, por vossa graça, viver de tal modo, que possais habitar em nós”. Assim se expressa de forma orante o nosso desejo de em tudo contribuir para que Deus, que veio habitar em nós no nosso batismo, esteja de fato no centro da nossa existência.
Como salmo de resposta desta liturgia dominical temos um trecho do Salmo 118. Este salmo, o maior do saltério, em seus 176 versículos, faz um grande elogio da Lei. O salmista bendiz a Deus que deu ao povo os seus mandamentos, cuja observância conduz o homem à verdadeira felicidade. Esta felicidade é cantada no refrão que hoje repetimos: “Feliz o homem sem pecado em seu caminho, que na lei do Senhor Deus vai progredindo.” O homem sem pecado em seu caminho não é o homem que nunca comete erro algum, mas é aquele que se esforça, como canta este refrão, por “progredir” na Lei do Senhor, ou seja, por observá-la sempre de maneira mais reta.
A primeira leitura e o evangelho são um convite a observar os mandamentos de Deus. No trecho do Eclesiástico lido hoje, chama-nos particularmente a atenção o v. 16: “Se quiseres observar os mandamentos, eles te guardarão; se confias em Deus, tu também viverás”. Antes de tudo Deus apela para a liberdade do homem: “Se quiseres”. Deus não força o homem a nada, mas coloca diante d’Ele a chave da felicidade. Se o homem tomar essa chave e abrir a porta, ele encontrará o que busca. Outro ponto interessante a se destacar neste versículo inicial é que o autor sagrado afirma que os mandamentos hão de guardar aqueles que os observam. Não é o homem que vai “guardar” propriamente os mandamentos, mas serão eles que, no fundo, guardam, protegem, conduzem a bom termo, aqueles que os colocam em prática.
O tema dos dois caminhos, encontrado também alhures do Antigo Testamento (cf. Sl 1), aparece bem marcado nesta perícope do Eclesiástico. Deus coloca diante do homem a vida e a morte, o fogo e a água, e o homem é que deve escolher para qual dos dois deseja estender a mão. É lindo contemplarmos com cores tão vivas, tais como nos são apresentadas nesta primeira leitura, o grande dom do livre-arbítrio que Deus concedeu ao homem. O homem não é uma máquina programada para fazer isso ou aquilo. O homem é a imagem e semelhança de Deus; criado para viver na intimidade e na harmonia com o seu Criador. Todavia, esse Criador ama de um jeito que ainda não alcançamos plenamente, e quer ser amado com total liberdade pela sua criatura. Por isso, Deus dá ao homem o direito de escolher entre isso e aquilo. Cabe ao homem ser, de fato, livre, escolhendo a Deus com todas as forças do seu coração.
O Evangelho proclamado nesta liturgia é um grande trecho do sermão da montanha. Mateus, escrevendo em primeiro lugar para judeus convertidos ao cristianismo, apresenta Jesus qual novo Moisés, no monte, dando ao povo a nova Lei, ou melhor, fazendo a exegese perfeita, a interpretação correta, oculta e agora n’Ele revelada, da mesma Lei.
Antes, todavia, se interpretar a Lei para os seus ouvintes, Jesus começa já advertindo que Ele não veio abolir a Lei, mas veio para levá-la a seu “pleno cumprimento”. O Cristo convida, ainda, seus ouvintes, a superar a justiça dos “mestres da Lei e dos fariseus”. A justiça dos mestres da Lei e dos fariseus consistia, como podemos vislumbrar nos diversos embates de Jesus com essas figuras, numa prática meramente exterior da Lei. Eles tinham uma atitude que costumamos chamar de “legalista”, ou seja, não entravam no verdadeiro espírito da Lei, mas a cumpriam apenas externamente. Isso os levava a um pecado ainda maior: o de achar que a salvação, livre e gratuita de Deus, lhes era devida por direito, uma vez que eles praticavam minuciosamente a mesma Lei.
O Cristo, intérprete verdadeiro da Palavra, porque afinal Ele é a Palavra que fez carne e habitou entre nós (Cf. Jo 1,14), quer conduzir seus ouvintes a uma atitude espiritual diferente diante da Lei. Não basta praticar exteriormente os mandamentos, mas é preciso descobrir o seu sentido profundo. Chega de se criar minúcias para praticar meticulosamente a Lei e, também, para burlá-la, como faziam os fariseus. Agora temos diante de nós o intérprete verdadeiramente autorizado pelo Pai, que nos explica o que desde sempre o Pai quis nos dizer através dos seus mandamentos. Somos chamados a praticar com este espírito a Lei do Senhor e também a ensiná-la assim aos nossos irmãos.
Que a nossa oração de hoje seja um pedido a Deus para que possamos nos abrir cada vez mais à sua Palavra. Que conhecendo melhor os seus mandamentos e penetrando seu sentido mais profundo, possamos praticá-los com liberdade e não por coação, encontrando neles o caminho da verdadeira felicidade.