1ª Leitura: Hab 1,2-3; 2,2-4
Sl 94
2ª Leitura: 2Tm 1,6-8.13-14
Evangelho: Lc 17,5-10
“O justo viverá por sua fé”
Duas posturas são apresentadas na primeira leitura: de um lado, o arrogante e presunçoso, que confia em si mesmo, o que não tem uma alma reta e que, por isso, perecerá; de outro lado, o homem humilde, justo, que confia no Senhor, que tem fé e que, sustentado pela fé que possui, viverá (cf. Hab 2,4). O profeta, ao mesmo tempo que dá voz à súplica do homem desesperado – “Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes?” – proclama que a vitória vem pela fé: “Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé”.
Habacuc está contrapondo aqui a atitude dos povos vizinhos à atitude de Israel. O povo de Israel se encontra no meio de uma luta entre a decadente Assíria e a florescente Babilônia. Israel não deve imitar a atitude arrogante dessas potências que confiam somente nas suas próprias forças, mas deve ser humilde e confiar na força que vem do Senhor. Israel não deve se antecipar numa atitude precipitada, mas deve esperar que o socorro divino venha, e este certamente virá, uma vez que foi prometido pela palavra de Deus enviada ao profeta.
Essa atitude de fé, deve ser a atitude do cristão no meio das suas lutas. Não podemos confiar somente nas nossas próprias forças. Isso não significa que não devemos fazer a nossa parte. Sim devemos fazê-la, mas devemos ter em mente que a última palavra é sempre de Deus. Essa é a atitude do homem de fé.
O Evangelho, coração dessa liturgia da Palavra, é a realização plena da primeira leitura que ouvimos. Jesus se dirige para a consumação da sua vida e nesse caminho ele vai orientando os seus discípulos e os apóstolos. Depois de dar alguns ensinamentos aos discípulos (cf. Lc 16,1) Jesus é interpelado de maneira particular pelos apóstolos (cf. Lc 17,5) que fazem a Ele esse pedido: “Aumenta a nossa fé!” Esse é, talvez, o nosso pedido a Deus cada vez que celebramos a liturgia: “Aumenta a nossa fé!” Jesus responde dizendo: “Se tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria.”
“Se tivésseis fé!” Por que o Senhor se dirige assim aos apóstolos? Para mostrar-lhes que não se trata de ter uma fé pequena ou grande, mas sim de ter uma fé autêntica. A imagem do grão de mostarda, uma semente minúscula, comparada à força de se transportar uma amoreira com o simples poder da palavra, serve para mostrar que, quem possui uma fé reta, orientada para o Senhor, pode realizar “coisas impossíveis”.
A fé é capaz de realizar prodígios maravilhosos. E podemos pensar não tanto nos grandes milagres que foram e são realizados ao longo dos séculos pelo poder da fé. Esses são grandes sinais realizados para suscitar a fé dos que antes não acreditavam. Penso que a fé realiza sinais prodigiosos porque ela nos faz ver o invisível. Vivemos no meio de um mundo cercado de imediatismo e que valoriza somente a aparência das coisas. Nesse mundo de aparências é um grande prodígio que vivamos como quem vê através das realidades palpáveis para chegar ao núcleo das coisas.
É importante, também, entendermos que a fé é um dom que recebemos. Paulo exorta Timóteo, a guardar o “precioso depósito”, expressão que indica o conteúdo da fé. Timóteo deve ser o guardião da fé que recebeu de outrem, porque esta, com todo o seu conteúdo, não é mera criação humana, mas dom de Deus. Nós somos chamados a guardar a fé e a transmitirmos a outros a mesma fé, com todo o seu conteúdo doutrinário, em sua integridade, sem acrescentar nada de nosso, porque já estaríamos deturpando, assim, a própria fé. O nosso trabalho de servos é guardar e transmitir a fé.
Este último aspecto conecta os vv. 5-6 com a parábola dos vv. 7-10. Depois de responder ao pedido dos apóstolos, Jesus lhes dá um ensinamento sobre o papel do servo, e o faz com uma imagem típica do seu tempo. A parábola traz duas “perguntas retóricas”, ou seja, perguntas cuja resposta já é bem conhecida pela audiência de Lucas: “Se algum de vós tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por acaso vai dizer-lhe, quando ele volta do campo: ‘Vem depressa para a mesa’?” A resposta é clara: “Não!” Naquela situação histórica era comum que o servo voltasse do campo, servisse o patrão e somente depois se sentasse para comer. A segunda pergunta também já tem uma resposta conhecida dos ouvintes/leitores de Lucas: nenhum patrão vai agradecer ao empregado por ter cumprido sua função, foi fez apenas o que devia fazer.
Lucas conclui a parábola, no v. 10, aplicando a imagem apresentada à relação dos apóstolos com Jesus: estes são “servos” e não devem esperar uma recompensa por executar sua função de servos. Como servos, devem anunciar com integridade a fé, continuando a missão do próprio Cristo: iluminar os que jazem nas trevas do pecado, reconciliando-os com Deus. Devem ser um sinal da misericórdia do mestre e não devem esperar uma recompensa intramundana por terem realizado tais tarefas. A recompensa virá, mas não neste plano. A recompensa do servo se dará só na vida eterna. Lá sim, a situação se inverterá e o Senhor há de preparar uma mesa para os seus (cf. Lc 12,37).
O serviço do Senhor nos liberta, dá sentido à nossa vida. Por isso, só podemos ser plenamente humanos servindo-o, e isso não é um favor que fazemos a Deus, mas é a realização da nossa própria vida, por isso devemos considerar-nos servos inúteis, que “fizeram o que deveriam fazer, e nada mais”.
Somente o homem de fé pode agir assim, porque sabe que a recompensa pelo seu serviço não está nesse mundo, mas “nas coisas invisíveis” (cf. Hb 11,1). Por isso peçamos hoje ao Espírito que venha sobre nós, para que recebamos o dom da verdadeira fé. Que possamos ver o invisível e nos alegrar com a posse antecipada daquilo o que esperamos, a fim de que caminhando entre as lutas e violências dessa vida, possamos nos dirigir todos juntos, ao “repouso prometido”.