Is 66,18-21
Sl 116
Hb 12,5-7.11-13
Lc 13,22-30
“Há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos” (Lc 13,30)
Em cada domingo, o Senhor prepara para nós uma dupla mesa: a da Palavra e a do Corpo e Sangue de Cristo. Deus é tão generoso para conosco que, ao nos reunirmos para oferecer a Ele a nossa ação de graças, nós é que saímos enriquecidos e mais uma vez abençoados. Cada celebração eucarística é fonte de bênção e de cura para nós.
É fonte de bênção, porque não existe bênção maior do que receber de Deus a sua Palavra, do que ouvir o próprio Cristo que nos fala no Evangelho pois, como diz Santo Agostinho, “a boca de Cristo é o Evangelho” (Sermão 85). E depois de ouvir o próprio Cristo nos dirigir sua Palavra, somos conduzidos à segunda mesa, estreitamente unida à primeira, onde recebemos a vida do Ressuscitado em nós nas espécies do pão e do vinho consagrados, que são seu Corpo e Sangue.
A Eucaristia, toda Eucaristia, é fonte de cura para nós, porque a luz da Palavra penetra os recônditos do nosso ser. Com sua luz, Deus varre para longe as trevas de todas as doenças que afetam o nosso espírito. Essa é a verdadeira cura, porque os males do espírito humano superam em muito as doenças que só podem prejudicar o corpo físico.
O evangelho, coração da liturgia da Palavra, nos apresenta uma cena onde o Cristo, que está se dirigindo para Jerusalém para consumar sua Páscoa, atravessa cidades e povoados, sempre ensinando. Nesse percurso, “alguém” o interpela: Senhor, é pequeno o número dos que se salvam? Jesus, como é comum acontecer nos evangelhos, evita uma resposta direta. Ele aproveita a pergunta para transmitir um ensinamento que será muito mais profundo do que uma simples resposta poderia ser. O ensinamento de Cristo nesse trecho do Evangelho inclui três elementos: seu ensinamento sobre a “porta estreita”; a rejeição dos que praticam a injustiça; o chamado dos pagãos à fé.
O ensinamento de Jesus sobre a porta estreita abre-se com o verbo grego agonidzomai, que é traduzido no lecionário pela expressão “Fazei todo esforço possível”. O verbo agonidzomai aparece outras vezes no Novo Testamento, de modo particular em Paulo. Podemos encontrá-lo em 1Cor 9,25; Cl 1,29; 4,12; 1Tm 4,10; 6,12; 2Tm 4,7. Tal verbo pode indicar o esforço feito num combate, em vista de se receber um prêmio. Paulo o utiliza nesse sentido. De modo particular, podemos recordar o texto de 2Tm 4,7: “Combati (agonidzomai) o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé.” O Cristo nos convida a esse “combate”, a nos esforçarmos por alcançar a vida eterna.
Esse combate se dá dentro de cada um de nós. É o apóstolo Paulo quem, mais uma vez, nos ensina o sentido e o modo de viver esse “combate”: “Os atletas se abstêm de tudo; eles, para ganhar uma coroa perecível; nós, porém, para ganhar uma coroa imperecível. Quanto a mim, é assim que corro, não ao incerto; é assim que pratico o pugilato, mas não como quem fere o ar. Trato duramente o meu corpo e reduzo-o à servidão, a fim de que não aconteça que, tendo proclamado a mensagem aos outros, venha eu mesmo a ser reprovado” (1Cor 9,25-27). Nossa vida é um combate. Lutamos com nosso homem interior, com nossas inclinações perversas, a fim de alcançar a vida eterna que o Senhor nos prometeu. “Reduzir o nosso corpo à servidão” significa combater para não sermos escravos de nossas inclinações maldosas que, muitas vezes, nos levam a praticar a injustiça.
Aqui entramos no segundo elemento apresentado hoje, pelo Cristo, no Evangelho. No dia do juízo, o Senhor rejeitará os que praticam a injustiça. Esses que serão rejeitados são homens que aparentemente viveram a fé. Jesus diz que eles falarão em sua defesa: “Comemos e bebemos diante de ti”… “tu ensinaste em nossas praças”… Mas o Senhor dirá: “Não sei de onde sois! Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça!” Embora se dirigisse primeiramente aos judeus, este ensinamento de Jesus se aplica a cada um de nós. No dia do juízo esse o critério de Deus para abrir-nos ou não a porta. Aqui percebemos que o nosso “esforço” para viver a vida cristã vai muito além da simples pureza corporal. Muitos reduzem a vida cristã a somente um de seus aspectos. O termo “injustiça” é muito abrangente e diz respeito a todo o tecido de relações no qual cada um de nós está inserido. Diante de cada atitude e de cada pensamento, o cristão deve se interrogar: Eu estou praticando a justiça, de acordo com a vontade do Senhor? Lembremo-nos que, em Deus, a justiça não exclui a misericórdia, mas a supõe.
Por fim, chegamos ao ponto onde o evangelho se une à primeira leitura e ao Salmo. O Senhor proclama um tempo no qual homens e mulheres de todos os lugares irão tomar lugar na mesa do Senhor. Tal ensinamento se alinha com a primeira leitura, tomada do Trito-Isaías. O profeta entrevê um tempo onde, também, de todos os lugares, as pessoas virão adorar o Senhor. A visão do profeta é tão ampla e otimista, que ele afirma que alguns estrangeiros serão tomados para servir ao Senhor como “sacerdotes e levitas”. Este tempo novo realizou-se em Cristo. Nele, as portas da salvação foram abertas a todos os povos. Muitos dos últimos, ou seja, muitos dentre os pagãos, tornaram-se os primeiros, porque abriram o seu coração ao evangelho. O critério não é mais pertencer a este ou àquele povo. O critério é a fé, que nos torna parte do “novo povo de Deus”, reunido por Cristo e nascido do seu lado aberto na cruz: a Igreja. Na Igreja se realiza de modo pleno o Salmo 116: todas as gentes cantam louvores ao Senhor e todos os povos o festejam na liturgia!
A escuta da Palavra deve se transformar em prece. Nossa prece deve ser, em primeiro lugar, de ação de graças. Louvamos a Deus que abriu as portas da salvação a todos aqueles que a Ele querem se achegar pela fé. Contudo, também a súplica hoje encontra seu lugar. Supliquemos a Deus a graça de viver segundo a sua justiça, a fim de que, no dia do juízo, ouçamos do Eterno uma boa Palavra, e sejamos acolhidos do banquete da eternidade.