Dn 12,1-3
Sl 15
Hb 10,11-14.18
Mc 13,24-32
“Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio!” (cf. Sl 15,1)
Estamos chegando ao fim do ano litúrgico. Um ciclo se encerra na vida da Igreja e em breve outro se abre, como uma nova oportunidade de Deus para que possamos, sobretudo na celebração da liturgia da Igreja, experimentar a sua ação salvífica e nos convertermos ainda mais para Ele.
Ao chegarmos ao fim do ano litúrgico começamos a ouvir textos conhecidos como “textos escatológicos”, ou seja, textos que apontam para o fim da história e para a instauração definitiva do Reino de Deus no meio da humanidade.
A primeira leitura de hoje é um trecho do livro de Daniel. Daniel – que em hebraico significa Deus é meu juiz ou Deus julga – é a personagem principal desta obra. Na corte do rei da Babilônia, Nabucodonosor, Daniel recebeu o nome de Baltassar (1,7). Mesmo no meio de um povo idólatra, Daniel guardou a sua fidelidade a Deus, e por isso foi agraciado com diversos dons de sabedoria, que o fizeram estar entre os grandes da corte babilônica. O autor mostra toda a história de Israel de maneira simbólica, daí as imagens de feras e outras imagens fantásticas que aparecem no livro. O objetivo do autor era anunciar aos seus irmãos do século II a.C. que a libertação estava para chegar, que o Messias viria salvar Israel, que eles deviam criar ânimo.
O trecho do livro de Daniel que ouvimos hoje poderia ser dividido em quatro partes. Na primeira parte do v.1 encontramos a descrição do fim: “Naquele tempo, se levantará Miguel, o grande príncipe, defensor dos filhos de teu povo; e será um tempo de angústia, como nunca houve até então, desde que começaram a existir nações.” O autor sagrado descreve com imagens próprias da apocalíptica judaica o fim desta fase da história da humanidade. Será um tempo de “angústia”. O termo hebraico utilizado para indicar “angústia” associado ao termo hebraico utilizado para indicar “tempo” pode ser entendido como uma locução que, traduzida, pode significar “um momento crítico”. Sendo assim, a primeira parte do v. 1 aponta para o fim da história como um momento de crise, quando tudo deve ser desvelado, quando os segredos dos corações e o sentido da história devem ser vistos de maneira clara.
A segunda parte do v. 1 é uma promessa de salvação: “Mas, nesse tempo, teu povo será salvo, todos os que se acharem escritos no Livro”. Embora o texto comece apontando para o momento crítico no qual a história deve chegar a seu termo, ele traz também uma promessa de salvação de Deus para aqueles que são parte do seu povo. O texto apresenta a imagem do Livro, onde estão escritos os nomes dos eleitos. Essa imagem também aparece no Novo Testamento, dentro do livro do Apocalipse (cf. Ap 20,12).
Os vv. 2 e 3 desta perícope apresentam a forma do juízo. No v. 2 o autor sagrado fala que todos despertarão, contudo uns para o castigo e outros para a bem-aventurança. O v. 3 encerra, por fim, a promessa de salvação para os que tiverem sido “sábios” e tiverem ensinado a muitos “o caminho da virtude”. Esses “brilharão como o firmamento”, “brilharão como as estrelas eternamente”. Uma promessa de glória e eternidade está reservada para quem guarda a sabedoria e ensina aos homens o caminho da virtude.
O trecho de Marcos que ouvimos hoje pertence ao chamado “discurso escatológico de Jesus”. Na primeira parte (cf. Mc 13, 24-27), tomando imagens de Dn 7,13-14, Jesus apresenta como será o fim desta fase da história da humanidade. Ele aplica a si mesmo a imagem do Filho do Homem que aparece em Daniel. Em Daniel temos a aparição desta figura misteriosa que parece ser portador do juízo de Deus. É aqui, à luz deste texto do Evangelho que essa imagem se esclarece de maneira plena. O Filho do Homem apresentado em Daniel é, na verdade, o Cristo, aquele que veio, que morreu e ressuscitou por nós, que está à direita do Pai, mas que, de acordo com a sua promessa, deverá retornar no fim dos tempos, agora com grande “poder” e “glória” para reunir os “eleitos de Deus”.
A segunda parte da perícope evangélica deste domingo (cf. Mc 13, 28-32) apresenta a imagem da figueira. Jesus convida os seus ouvintes a observarem os sinais dos tempos. Quando a figueira começa a brotar, o verão está perto. Assim, também nós devemos saber observar os sinais, não da figueira, mas do tempo presente e percebermos neles que já estamos vivendo os “últimos tempos”.
O texto deste evangelho apresenta certa tensão escatológica. No v. 30 parece que o fim será iminente: “esta geração não passará até que tudo isso aconteça”. Contudo, um pouco mais à frente, Jesus demonstra que o tempo desses acontecimentos é algo oculto no seio da Trindade, porque Ele afirma que este dia e esta hora só são conhecidos pelo “Pai”. Assim, ao afirmarmos que estamos vivendo os “últimos tempos” isso não significa que o fim do mundo será agora ou daqui a pouco tempo. Quando falamos de “últimos tempos” nos referimos a esta última fase da história da salvação, onde toda a revelação do Pai para nós já nos foi dada em Cristo Jesus e onde esperamos apenas a sua vinda que, justamente por ser repentina, exige de nós uma vida de constante vigilância. Podemos olhar particularmente para Mc 13,31 onde Jesus afirma que tudo passará, menos a sua Palavra. É por isso que não podemos colocar a nossa segurança em realidades desse mundo, porque tudo o que é desse mundo passa, só a Palavra não passa. Por isso, nela, na Palavra de Cristo que é Cristo mesmo, está a nossa segurança.
Aproximando-se o final do ano litúrgico façamos o propósito de buscar uma vida firmada na Palavra de Deus. O encerramento de um ciclo litúrgico e a abertura de um novo é, como dizíamos no início de nossa reflexão, uma nova chance de Deus para nós; é uma nova oportunidade; é tempo de rever atitudes e de refazer propósito, pois é assim que seguimos em frente. Que nosso propósito seja o de viver uma vida firmada na Palavra, assim experimentaremos a presença do Senhor, nosso refúgio, nos guardando sempre: Ele, que segura e guarda com suas mãos o nosso destino (cf. Sl 15,5).