1ª Leitura: Ex 17,3-7
Sl 94
2ª Leitura: Rm 5,1-2.5-8
Evangelho: Jo 4,5-42
Como afirma a segunda leitura que hoje ouvimos, “Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores” (cf. Rm 1,6). A morte de Cristo constitui para nós a prova de que o Pai nos ama. O Pai nos ama a ponto de dar-nos o seu Filho. É esse mistério da morte de Cristo como expressão do amor do Pai por nós que celebramos na Eucaristia. A cada domingo nós nos encontramos aqui neste lugar santo com a única finalidade de dar a Deus o louvor que lhe é devido, como manifestação do nosso amor Àquele que nos amou primeiro, quando ainda andávamos nas trevas, e nos enviou o seu Filho para nos resgatar como prova do seu amor infinito.
Nem o pecado pôde nos separar do amor de Deus, e isso nos foi manifestado em Cristo Jesus. Ele nos justificou como afirma o apóstolo e por isso estamos em paz com Deus. A fé na justificação que Cristo realizou em nosso favor produz em nós a esperança da glória. Essa “esperança da glória” é o que nos mantém firmes. Na quaresma somos convidados a ter o olhar centrado no sacrifício de Cristo. O sacrifício de Cristo esconde e, ao mesmo tempo, revela a sua glória. Nós também desejamos e esperamos uma glória, mas não a glória desse mundo. Aguardamos a glória de Cristo, com a qual seremos revestidos se verdadeiramente também com Ele abraçarmos a cruz.
Na primeira leitura que ouvimos o autor sagrado nos relata a sede do povo no deserto. O povo, “sedento de água”, “murmurava contra Moisés”. Ao experimentar a sede do deserto o povo quer voltar às fontes antigas, ao Egito, incapaz de saciar a sua sede. Deus, todavia, revela ao povo uma fonte nova, um rochedo ferido pelo cajado de Moisés de onde brota uma água capaz de saciar a sua sede. Paulo nos fala na carta aos Coríntios que este rochedo de onde o povo bebeu era símbolo de Cristo: “Não quero que ignoreis, irmãos, que os nossos pais estiveram todos sob a nuvem, todos atravessaram o mar e, na nuvem e no mar, todos foram batizados em Moisés. Todos comeram o mesmo alimento espiritual, e todos beberam a mesma bebida espiritual, pois bebiam de uma rocha espiritual que os acompanhava, e essa rocha era Cristo.” Cristo é o único capaz de saciar nossa sede, e é justamente isso que Ele nos revelará no Evangelho, no seu encontro com a samaritana.
O evangelho deste domingo que nos relata o encontro de Jesus com a Samaritana. É o tema batismal da água viva. Contemplamos o encontro de duas sedes: a sede de Jesus, que pede à samaritana “dá-me de beber” e a sede da samaritana que vem ao poço quotidianamente tirar água. Neste diálogo nós vemos que Aquele mesmo que pede de beber à samaritana vai prometer-lhe uma água viva. Jesus, de fato, tinha “sede da fé daquela mulher” como nos diz Santo Agostinho no seu Tratado sobre o Evangelho de São João. A mulher, por sua vez, tinha uma sede que não podia ser definitivamente saciada pela água do poço de Jacó. Finalmente a mulher está diante de alguém que pode saciar a sua sede.
O que em figuras acontecia no Êxodo, agora acontece em forma definitiva. A samaritana, que tantas vezes buscou uma água que não a saciava, agora se encontra diante do doador da água viva. Tantas vezes também nós, como a samaritana, buscamos uma água que não nos sacia. Vamos ao poço e buscamos uma água que nos permitirá ter sede novamente. Cristo, todavia, nos dá uma água que, quem dela beber “nunca mais terá sede” e, mais ainda, essa água viva, tornar-se-á “uma fonte de água jorrando para a vida eterna”.
Essa água viva prometida por Jesus é o “Espírito que deviam receber aqueles que tinham crido nele” (cf. Jo 7,39) conforme nos explica mais adiante João. Jesus é a fonte de água viva, que vai ser rompida para nós na cruz. O mesmo João nos diz no seu relato da paixão que um soldado rasgou o lado de Jesus com a lança e que de seu lado aberto brotou “sangue e água” (cf. Jo 19,34). É a água viva do Espírito que brota do lado aberto de Jesus na cruz. Esse é o Espírito que recebemos ao mergulharmos nas águas do nosso batismo. O Espírito recebido no nosso batismo está agora dentro de nós, como uma fonte que jorra para a vida eterna. Santo Inácio de Antioquia entendeu bem isso e disse numa de suas cartas que percebia dentro de si “uma água viva e murmurante que lhe dizia: Vem para o Pai!” Essa é a voz do Espírito que Jesus nos deu e que mora em nós como num Templo.
Enquanto a samaritana sai para dar seu testemunho aos seus conterrâneos, Jesus se volta para os discípulos que querem que Ele coma. Jesus nos revelou que possui uma sede espiritual, a sede da nossa fé. Agora Jesus revela aos discípulos e a nós que Ele possui uma fome espiritual, a fome de fazer a vontade do Pai. Devemos também nós pedir ao Espírito que faça arder em nós uma sede e uma fome espirituais. A nossa sede deve ser sede da água viva que Jesus abundantemente deseja nos dar. A nossa fome deve ser semelhante à de Jesus. Nosso “alimento” deve ser “fazer a vontade” daquele que nos enviou Jesus. Devemos amar a vontade do Pai até as suas últimas consequências, como Jesus a amou. Jesus disse que o seu alimento era fazer a vontade do Pai e consumar a sua obra. Nós sabemos o que significou para Jesus “consumar a obra” do Pai. Devemos amar a vontade do Pai como Jesus amou, com um amor capaz de se tornar dom de si mesmo ao Pai.
Concluindo, podemos olhar o v. 25 desse evangelho, onde a mulher diz a Jesus: “Sei que vem um Messias. Quando ele vier, nos anunciará tudo”. A mulher revela diante de Jesus a sua esperança numa intervenção divina que lhe trará resposta às suas indagações mais profundas. Jesus responde à mulher: “Sou eu, que falo contigo”. Jesus é a resposta que aquela mulher procurava. Jesus era a água viva procurada pela mulher sedenta. Jesus era o Salvador esperado pelo homem ferido. Jesus é a cura que o homem doente de pecado aguardava ansiosamente. O evangelho termina com o reconhecimento por parte dos samaritanos de que Jesus é o Salvador do mundo: “Nós próprios o ouvimos, e sabemos que esse é verdadeiramente o salvador do mundo”. Jesus é o Salvador do mundo, aquele que nos anuncia tudo. Jesus é a salvação que esperávamos e necessitávamos. Jesus é para nós a esperança da glória da qual Paulo nos fala na segunda leitura. A vida do nosso Salvador é para nós a Palavra mais eloqüente. Assim como Cristo morreu e ressuscitou, nós também ressuscitaremos. A vida de Jesus e, sobretudo, a sua Páscoa é a resposta, a única resposta, a melhor resposta, a resposta verdadeira para as nossas indagações. Peçamos ao doador da água viva que nessa liturgia abra sobre nós a sua fonte divina. Deixemo-nos banhar nas águas vivas do Espírito para que os nossos olhos se abram para ver a glória do Senhor e a nossa inteligência também se abra para compreender os seus mistérios.