Nm 6,22-27
Sl 66
Gl 4,4-7
Lc 2,16-21
Por que celebramos neste tempo de Natal a festa da Mãe de Deus? Na verdade, celebrar a festa da Mãe de Deus outra coisa não é que celebrar o mistério do próprio Cristo. Afinal, o Mistério de Cristo é o único mistério cristão e Maria está inserida neste mistério.
A liturgia dessa palavra não deixa dúvidas da centralidade cristológica dessa solenidade, aliás, esse foi o sentido do dogma da maternidade divina de Maria proclamado no Concílio de Éfeso em 431: se o Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, Maria gerou no seu ventre não somente a “parte humana” de Jesus, como essa pudesse ser separada de sua “parte divina”; ela gerou o Cristo total, Deus que se fez homem para a nossa salvação. Hoje olhamos para a Mãe de Deus e entendemos através desse antiquíssimo título que ela recebeu quem é Jesus.
Esta festa se insere no ciclo do Natal porque ela nos apresenta o realismo da encarnação. De fato, ao encarnar-se no seio da Virgem, o Cristo assumiu verdadeiramente a natureza humana. Ele, que existia como Deus, possuindo um modo de existir totalmente diverso do nosso, assumiu a nossa natureza, o nosso modo de existir. O Cristo, desde o momento em que se encarnou no seio da Virgem Maria reuniu em si essas duas naturezas: a divina e a humana. Ele é homem, sem deixar de ser Deus. Ele é Deus, sendo também homem, uma vez que assumiu a nossa natureza. Se dissermos que Maria não é Mãe de Deus estamos separando as duas naturezas de Cristo. E em Cristo as duas naturezas não se confundem, mas estão plenamente unidas e são inseparáveis. É o mistério da bondade divina.
Maria não gerou somente o corpo de Jesus, ou a sua humanidade, porque não há como separar em Cristo as duas naturezas. Maria foi a porta aberta para esse mistério como canta hoje o hino das Laudes: “Eis do Senhor a porta aberta, de toda a graça portadora. Passou o Rei, e permanece fechada, como sempre fôra.”
As leituras que hoje ouvimos nos apontam para esse mistério. Na primeira leitura temos a bênção de Aarão. Deus mandou que Aarão abençoasse os filhos de Israel com essas palavras. Nessa fórmula de bênção vemos de modo antecipado a verdadeira bênção do Pai para nós, que é o Cristo. Em Cristo, Deus voltou o seu rosto para nós. Em Cristo recebemos a paz. A paz é um dom do Messias. Ela não é mera ausência de guerra. A paz verdadeira só existe quando os corações humanos estão voltados para Deus e se deixam iluminar pelo sol que nasce das alturas.
Os pastores, no evangelho, louvam e glorificam a Deus pela palavra que haviam recebido do anjo. “Hoje nasceu para vós um Salvador”. Sim, aquele que nasceu é o nosso Salvador. Devemos nos encher de alegria. O nome que Ele recebe, um nome profético, já anunciado pelo anjo, é portador daquilo o que Ele realizará: Jesus, Deus Salva. Somente em Jesus temos a salvação. Mesmo os que se salvam sem se tornarem cristãos, porque de alguma forma não puderam aderir a este imenso mistério pelo batismo, são salvos por Cristo. Só Jesus salva! E por que só Jesus salva? Por que salvação não é essa vida melhorada. Salvação é participar da vida do próprio Deus. Algo que não nos é devido segundo a natureza e que só podemos receber por pura graça e misericórdia de Deus. Por isso a salvação é sempre graça. Por que por mais que alguém se comportasse bem não conseguiria salvar-se a si mesmo. É isso o que São Paulo quer dizer quando fala que Deus enviou o seu Filho sujeito à Lei para resgatar os que eram sujeitos à Lei. Paulo não está contra a Lei. Ele mesmo continuará praticando a Lei naquilo o que nela há de se essencial. Todavia, Paulo que mostrar ao povo, ao seu povo, que a Lei indica o caminho da salvação, mas que ela por si só não salva ninguém.
A Lei preparou o caminho para que os homens pudessem, não sem muito esforço, manter-se no caminho de Deus até que se completasse o tempo previsto e o Cristo viesse. A Lei ensina aos homens a como viverem segundo o plano de Deus, segundo a sua natureza humana. A Lei ensina como os filhos devem viver, mas não nos torna filhos. Somente o Filho único de Deus pode nos comunicar a sua filiação.
Nele não estamos mais sujeitos à Lei. Em que sentido? Devemos agora jogar fora os mandamentos, as normas, os ensinamentos, a doutrina? Claro que não. Nele não estamos mais sujeitos à Lei, porque percebemos agora que não é a prática da Lei que nos salva, mas a fé em Jesus Cristo que nos divinizou pela sua encarnação. E nós, se somos filhos no Filho, com muito mais amor vivemos os mandamentos, as normas, os ensinamentos, a doutrina, não como Lei fria e externa, não como condição para que Deus goste de nós, mas reconhecendo nos mandamentos de Deus uma carta de amor de um Pai apaixonado que em tudo quer que seus filhos sejam felizes. E esse é um Pai diferente. Ele pode sim nos indicar o caminho da felicidade, porque Ele o conhece. Afinal ele nos fez.
E qual é a prova de que somos filhos? A prova é que Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama Abá, ó Pai! Um chamamento de intimidade. A quanto tempo essa palavra se afastou de nossa boca. Talvez, quando éramos pequeninos dizíamos “paizinho”, “papai”. Mas crescemos, e essa palavra vai se afastando de nós. E temos que de novo ser crianças num outro nível. Ser crianças diante de Deus, diante do Pai, e nos lançarmos confiantes em seus braços, como o Filho fez na cruz. No Filho nos tornamos filhos e herdeiros, herdeiros do reino celeste. Para lá se orienta toda a nossa vida.
Peçamos hoje que a Palavra que recebemos entre em nossos corações como entrou no coração de Maria. Por duas vezes Lucas diz no evangelho da infância (cf. Lc 1-2) que Maria guardava a Palavra em seu coração. Quando Simeão lhe profetiza a dor e agora quando ouve as maravilhas que os anjos haviam dito a respeito do seu Filho. Maria guarda a Palavra e a medita em seu coração. O Espírito vem sobre ela e faz com que ela entenda, aos poucos, o sentido da palavra ouvida. Que nós também hoje reunidos em nossas assembleias recebamos uma porção dobrada do Espírito do Senhor, que a Palavra encontre em nosso coração morada e que a meditemos no mais íntimo de nós, pedindo a Deus que nos faça compreendê-la plenamente.