At 8,5-8.14-17
Sl 65
1Pd 3,15-18
Jo 14,15-21
“O Pai vos dará um outro Paráclito” (cf. Jo 14,16)
Estamos celebrando o tempo feliz da Páscoa do Senhor. O círio pascal abençoado e aceso na noite da grande vigília pascal, permanecerá aceso até o dia do Santo Pentecostes, para nos recordar que, como afirma Santo Atanásio, esses cinquenta dias do tempo pascal devem ser celebrados como “um único e grande domingo”, no qual a chama da alegria da ressurreição de Cristo permanece acesa em nós e se expandirá, findo o tempo pascal, para todos os outros dias da nossa existência.
A oração coleta deste domingo é uma súplica para que possamos celebrar estes dias do tempo pascal com muito fervor: “Deus todo-poderoso, dai-nos celebrar com fervor estes dias de júbilo em honra do Cristo Ressuscitado, para que nossa vida corresponda sempre aos mistérios que recordamos”. A alegria deste tempo pascal é um dom de Deus que devemos insistentemente pedir, a fim de que as tribulações de nossa existência cotidiana não turbem a alegria que a fé traz aos nossos corações.
A alegria da presença do ressuscitado aparece clara na primeira leitura. Nesses dias do tempo pascal nos acompanha o livro dos Atos dos Apóstolos. No trecho proclamado hoje, as multidões acolhem a Palavra de Deus advinda a eles por meio da pregação de Filipe. As mesmas multidões vêem os sinais que Deus realiza por meio dos apóstolos, a fim de confirmar a sua pregação.
No centro do relato aparece o tema da alegria, tão caro a Lucas. Não é uma alegria qualquer nem passageira, mas é a alegria própria de quem reconhece a presença do Senhor Jesus Cristo, como foi a de João Batista que “estremeceu de alegria” no ventre de Isabel, quando esta foi visitada pela mãe do seu Senhor, a Virgem Maria (cf. Lc 1,44).
Embora haja uma riqueza infinita presente em todas as leituras da liturgia dominical, riqueza essa que brota do próprio fato de não serem leituras comuns ou apenas santas, mas serem “Palavra de Deus” para nós, poderíamos nos deter em nossa reflexão de hoje mais especificamente no relato evangélico, coração de toda a liturgia da Palavra.
Neste ano A que estamos celebrando, o quinto e o sexto domingos da Páscoa nos trazem trechos dos assim chamados “discursos de despedida” de Jesus.[1]
Depois de consolar o coração dos discípulos com a promessa de retornar para buscá-los e de preparar para eles uma morada na casa do Pai (cf. Jo 14,1-4) e de se apresentar aos mesmos discípulos como o “caminho, a verdade e a vida” (cf. Jo 14, 6) e como o “sacramento primordial do Pai”, porque quem o vê, vê também o Pai (cf. Jo 14,9), neste domingo, na continuação deste cap. 14 de João, Jesus apresenta a promessa do “outro Paráclito”, que Ele enviará de junto do Pai.
Este trecho de Jo 14,15-21 vem emoldurado pelo tema da obediência à Palavra de Cristo. Poderíamos estabelecer, para o texto, a seguinte estrutura:
- 15: Guardar os mandamentos de Cristo – sinal do amor do discípulo
- 16-17: A vinda do Paráclito
- 18-20: A vinda do Filho
- 21: Acolher os mandamentos e observá-los
Trata-se de uma estrutura muito sumária, somente para facilitar nossa leitura do texto. Chama-nos a atenção o fato de que Jesus comece e termine esse texto convidando-nos à escuta, à obediência à sua Palavra. O que está em jogo é a manifestação do amor do discípulo para com o Cristo.
No v. 15 o Senhor afirma: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos”. O verbo grego que aqui traduzimos por “guardar”[2], aparece nos caps. 14 e 15 de João sempre relacionado com a Palavra: trata-se de “guardar a Palavra de Cristo” (Cf. Jo 14,15.21.23.24 e Jo 15, 10.20). Em Jo 17,11.12.15, por sua vez, o mesmo verbo se refere aos discípulos. Em 17,11 Jesus pede ao Pai que os “guarde em seu nome”; em 17,12 Jesus afirma que antes, ele mesmo “guardava os discípulos” no nome do Pai; em 17,15 Jesus pede ao Pai que “guarde do maligno” os seus discípulos. Trata-se de um duplo movimento: Jesus, em primeiro lugar, nos “guarda”, como sinal do seu amor e como manifestação do amor do Pai por nós; nós, uma vez “guardados pelo Cristo”, devemos agora “guardar a sua Palavra”, os seus mandamentos, “observá-los”, “colocá-los em prática”. Esse é o sinal distintivo do discípulo. O discípulo é aquele que ouve a palavra, a medita em seu coração e se esforça por colocá-la em prática na sua vida, uma vez que a Palavra de Deus não é mera fonte de meditação, mas sim regra de vida para nós.
No centro desse convite à escuta e à obediência temos a dupla promessa: a da vinda do “outro Paráclito” e a da vinda do próprio Cristo.
Cristo promete um “outro Paráclito”. É interessante notar aqui a terminologia utilizada pelo evangelista. Ele utiliza o termo grego Allós. Tanto o termo Allós, quanto o termo Héteros podem significar “outro”, “um outro”; contudo, héteros pode indicar um oposto, um totalmente diferente, como temos nas palavras em português heterodoxia, heterossexual, heteronomia (a lei de um outro), por exemplo. Isso não acontece com allós; allós designa um “outro”, porque de fato Jesus e o Espírito são duas pessoas distintas da Santíssima Trindade, contudo, não estão em oposição entre si, porque o Espírito Santo vem para continuar a obra do Cristo e torná-lo continuamente presente no meio da sua Igreja.[3]
Segundo a promessa de Jesus neste evangelho, o Espírito Santo estará “dentro” dos discípulos, guiando-os como um mestre de vida interior. De fato, tal promessa se realizou para os apóstolos em Pentecostes e se realizou para nós no dia do nosso Batismo, que foi nosso Pentecostes pessoal, assim como os outros sacramentos que recebemos.
A promessa da vinda do próprio Cristo nos vv. 18-20, que será para os discípulos um sinal de sua unidade com o Pai, está estreitamente unida à promessa da vinda do Paráclito. Cristo Ressuscitou e apareceu aos seus discípulos durante quarenta dias. Ele virá no final dos tempos e se manifestará a todos os homens. Contudo, na força do Espírito Santo invocado continuamente pela Igreja, o Ressuscitado sempre se faz presente.
Cristo nunca deixou sozinhos os discípulos. Eles nunca ficaram órfãos (cf. Jo 14,18). Jesus está sempre presente com a sua Igreja na força do seu Espírito. Em cada sacramento o Espírito Santo é invocado (epiclese) e o Cristo se torna presente. Toda vez que nos reunimos em seu nome, ele se faz presente do meio de nós. Não existe um só momento da nossa vida que o Ressuscitado não esteja conosco. E no momento mais sombrio de nossa existência, o momento da nossa morte, será somente Ele que estará lá, com o Pai e o Espírito, para nos levar para a morada eterna que Ele nos preparou.
A alegria pascal é a alegria de saber que não somos e nem estamos órfãos, porque Cristo está conosco, na força do seu Espírito. Que esta alegria nos renove interiormente e que anunciemos a todos que encontrarmos esta grande alegria: Cristo Ressuscitou, vive para sempre e está no meio de n
[1] Alguns autores apresentam o longo trecho que vai de Jo 13,33 a Jo 17,26 como sendo um conjunto de textos denominados “discursos de despedida” ou “discursos de adeus” de Jesus. Assim Léon-Dufour: Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho Segundo São João. São Paulo: Loyola. Vols. I-IV (V. III). 1996.
[2] Trata-se do verbo tereo (τηρέω).
[3] Cf. SANTANA, Luiz Fernando Ribeiro. Liturgia no Espírito. Rio de Janeiro: Edipuc, 2015, pp. 146-151 (particularmente p. 149).