At 10,25-26.34-35.44-48
Sl 97(98),1.2-3ab.3cd-4 (R. cf. 2)
1Jo 4,7-10
Jo 15,9-17
Neste sexto Domingo do Tempo da Páscoa, o Salmo Responsorial se une de modo magistral à primeira leitura, e canta o que o Pai realizou por meio de seu Cristo: Ele fez conhecer sua salvação e revelou sua justiça às nações…
A primeira leitura deste domingo é um trecho de At 10. Cornélio, um pagão temente a Deus, tem uma revelação. O anjo do Senhor lhe diz: Tuas orações e tuas esmolas subiram até a presença de Deus e ele se lembrou de ti (cf. At 10,4). Ele deve mandar chamar em sua casa Simão Pedro.
No mesmo momento em que Cornélio recebe a revelação por meio do anjo, Pedro, em Jope, também tem uma outra visão, onde Deus lhe mostrará que a “nenhum homem se deve chamar de profano e impuro” (cf. At 10,28).
A primeira leitura nos relata o encontro desses dois homens: de um lado Pedro, cheio de fé e consciente de que Deus deseja fazer com que a força do evangelho se expanda para além de Jerusalém e dos judeus; de outro lado Cornélio, primícias dos pagãos que se convertem ao Senhor.
É durante a pregação de Pedro que todos ficam cheios do Espírito Santo e o apóstolo entende que, não podia negar a água do Batismo àqueles sobre quem Deus havia acabado de derramar em profusão o seu Espírito (cf. At 10,47).
Realizou-se, assim, na casa de Cornélio, aquilo o que o Salmista havia cantado: O Senhor fez conhecer a salvação e revelou sua justiça às nações (cf. Sl 97[98],2). O termo aqui traduzido por “nações” é o termo hebraico “gôyim”, frequentemente utilizado na Bíblia Hebraica para designar os povos pagãos, frente ao “povo” de Israel. Em Cornélio, vislumbramos aquilo o que vai acontecer de modo superabundante na Igreja nascente: os pagãos “conhecerão” a salvação, abrir-se-ão à Palavra de Deus, conhecerão a “justiça” de Deus.
E qual é a “justiça” de Deus? A “justiça” de Deus, a “justiça do Pai” tem um nome e um rosto: é o Cristo! Ele morreu por nós, para nos “justificar”. Por isso, dizemos que “Ele é a nossa Justiça”. Em Cristo, contemplamos o amor de Deus que “nunca se esquece”, mas sempre se “lembra” de nós, como se “lembrou” de Cornélio (cf. At 10,4) e, como o salmista canta no Salmo, “se lembrou do seu amor e da sua fidelidade”, ou como está nossa tradução do lecionário “recordou o seu amor sempre fiel” (cf. Sl 97[98],3).
Se Deus nos ama de tal modo que nunca se esquece de nós, porque o esquecimento é uma forma terrível de desamor, também nós devemos amar-nos uns aos outros, pois, afinal, “o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus” (cf. 1Jo 4,7). Na segunda leitura, São João diz de modo muito contundente: “Quem não ama, não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor” (cf. 1Jo 4,8). O apóstolo explica que o amor de Deus por nós foi manifesto em Cristo, e que agora nós devemos responder a esse amor “que nos amou primeiro”. E um modo concreto de responder à esse amor é “amando-nos uns aos outros”. Essa não é uma tarefa fácil e não é algo que se pode dar por descontado. Amar é uma tarefa muito exigente. Amar a Deus é guardar seus mandamentos. E amar os irmãos é ser capaz de dar a vida por eles, como Cristo o fez. Assim chegamos ao coração da liturgia da Palavra que é o Evangelho.
A Igreja nos oferece hoje duas possibilidades: Jo 15,9-17 ou Jo 17,11b-19. Em nossa Arquidiocese escolhemos Jo 15,9-17, a continuação do capítulo que ouvimos no domingo passado.
Assim como no domingo anterior, o verbo “permanecer” se repete nesta perícope, mas agora trata-se de “permanecer no amor de Cristo”. O v. 9 nos apresenta uma imagem e uma ordem: a imagem é aquela do amor do Pai pelo Cristo e do Cristo por nós – Como o Pai me amou, assim também eu vos amei; a ordem, por sua vez, é a seguinte: Permanecei no meu amor. “Assim como o Pai me amou”… Como o Pai amou o seu Filho? Ora, a vida da Trindade é uma vida de contínuo esvaziamento, de contínua kénosis como dizemos na linguagem teológica. O Pai, princípio ontológico da Trindade, esvazia-se a si mesmo e “gera” eternamente o seu Verbo. Entre o Pai e seu Verbo existe uma circulação infinita de amor, e a essa circulação infinita de amor chamamos “Espírito Santo”, aquele que procede do Pai e do Filho e que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, como rezamos no Credo Niceno-Constantinopolitano. “Assim como o Pai me amou” significa: assim como o Pai esvazia-se num movimento eterno e gera seu Verbo, da sua mesma substância, assim o Filho esvaziou-se na cruz (Fl 2,5-11) para que tivéssemos “vida” e “vida em abundância” (Jo 10,10).
Nós devemos permanecer nesse amor. Mais ainda, devemos nos amar uns aos outros com essa mesma qualidade de amor: Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei (cf. Jo 15,12) e ainda: Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros (cf. Jo 15,17). Como já dizíamos acima esta não é uma tarefa fácil. Devemos nos amar como Cristo nos amou. E Cristo amou a todos, sem distinção: bons e maus; amigos e inimigos; puros e impuros; religiosos e pagãos… Deu a sua vida também em favor daqueles que o sentenciaram à morte. Assim, também nós, apesar de nossa visível fraqueza, e nossa clara tendência ao egoísmo, à vingança e ao rancor, somos chamados a essa qualidade de amor: um amor crucificado, um amor-doação, como foi, como é o amor do Cristo por nós; porque, afinal, Ele continua sempre se doando a nós, na Palavra e nos Sacramentos.
Isto é deixar que a Páscoa se realize em nós: aprender a amar e a se doar como Cristo o fez. Não fujamos dessa exigente tarefa e nem nos lamentemos de nossa palpável fraqueza. Mas, peçamos socorro do alto. Diante de uma tarefa exigente, perguntamos como o salmista: De onde virá meu socorro? (cf. Sl 120[121],1) O mesmo salmista coloca em nossos lábios uma resposta: Meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra (cf. Sl 120[121],2). Ele nos ajuda em nossa fraqueza. Ele nos torna capazes de amar, mesmo quando na vida só encontramos desamor. Amando os outros, preenchemos nosso próprio vazio de amor, e vamos entendendo que acima, bem acima de nós, mas ao mesmo tempo muito perto, dentro de nós, existe um Deus que nos ama, e que supre todas as ausências que o amor deixou. Com esse amor que d’Ele recebemos, porque Ele nos amou primeiro (cf. 1Jo 4,10), amemo-nos uns aos outros, a fim de sermos reconhecidos como seus discípulos.