At 9,26-31
Sl 21(22),26-27.28.30.31-32
1Jo 3,18-24
Jo 15,1-8
Celebrando este “grande Domingo”[1] que é o Tempo Pascal, reunimo-nos em assembleia, cada Domingo, para sermos alimentados pelo Senhor. Ele se dá a nós, quer na Palavra, quer nas espécies eucarísticas, que são, para cada crente, alimento de vida eterna.
Na primeira leitura, ouvimos em cada domingo um trecho do livro dos Atos dos Apóstolos. Assim, podemos contemplar como a Igreja nascente crescia, sob o impulso do Ressuscitado e na força do seu Espírito. De fato, é assim que Lucas sintetiza, no final do trecho proclamado neste domingo, a vida da comunidade cristã da primeira hora: Ela [a Igreja] consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo (cf. At 9,31).
A Igreja “consolidava-se” e “progredia” no “temor do Senhor”. O seu “crescimento” não era uma questão de propaganda, mas ela crescia “com a ajuda do Espírito Santo”. Olhando para a Igreja nascente, somos postos em contato com a força do cristianismo da primeira hora e, ao mesmo tempo, somos levados a suplicar a Deus a graça de não recebermos em vão os dons que Ele continuamente derrama sobre nós. Também hoje devemos “progredir” no “temor do Senhor”, no desejo de “honrá-lo” cada dia mais pelo seu imenso amor para conosco. Devemos nos abrir ao Espírito, para que a Igreja “cresça” não porque a divulgamos ou a tornamos mais “atraente” com nossas “engenhosidades humanas”, mas porque seus membros vivem conduzidos pela força do Espírito. E a liturgia é o lugar por excelência da manifestação do Espírito. Quanto mais seriamente celebramos a liturgia da Igreja, mas cheios do Espírito Santo de Deus nos tornamos.
No coração de toda a liturgia da Palavra está o Evangelho. Neste tempo da Páscoa ele não é propriamente ligado à primeira leitura, num esquema de profecia-cumprimento. No Tempo da Páscoa, ouvimos quase sempre um trecho do Evangelho de São João. Enquanto os Sinóticos se distribuem ao longo dos ciclos A, B e C, o evangelho de São João perpassa todos os ciclos, particularmente o Tempo Pascal, fazendo com que a catequese cristã a respeito de quem é o Cristo e de qual seja sua obra de salvação se aprofunde mais e mais.
Neste quinto domingo do Tempo Pascal, acolhemos um trecho de Jo 15, os vv. 1-8. Nos vv. 1-3 Jesus se auto-apresenta e, ao mesmo tempo, define quem é o discípulo e qual é a obra do Pai na vida do discípulo. Jesus é “a videira”, mas não qualquer videira. Ele é a “videira verdadeira”. Assim como ele é o “bom pastor”, também ele é a “videira verdadeira”, e o Pai é o “agricultor”. Seus discípulos são os ramos dessa videira. O ramo que não dá fruto é cortado. O que dá fruto é limpo, para que dê mais fruto ainda. Os discípulos já foram de certo modo “limpos”, por causa da Palavra que lhes falou o Cristo.
O centro da perícope está nos vv. 4-7: permanecer em Cristo. Já numa primeira leitura, salta aos nossos olhos o uso do verbo “permanecer” (grego – méno). Esse verbo ocorre cerca de 40 vezes no evangelho de João. Dessas 40 ocorrências, 11 estão neste capítulo 15. No trecho proclamado na liturgia desse domingo, o verbo “permanecer” ocorre sete vezes no grego, embora em nossa tradução do lecionário ele apareça, por questões de estilo, uma oitava vez. Em Jo 15,4 o verbo ocorre apenas três vezes, e não quatro como na tradução do Lecionário. A frase de Jesus, que abre o versículo 4, é a seguinte: Permanecei em mim, e eu em vós.
Em cinco, dessas sete aparições do verbo “permanecer”, ele vem acompanhado da expressão “em mim”. Trata-se de “permanecer” em Jesus, de estar unido a Ele, assim como os ramos estão unidos à videira e recebem dela a seiva que os mantém verdes, vivos, capazes de produzir fruto. Quem não permanece em Cristo é como um ramo cortado. Logo seca, e para nada mais serve senão para ser lançado fora. Sem Cristo, nada podemos fazer (v. 5), mas quem “permanece n’Ele” pode pedir o que quiser, que isto lhe será dado (v.7): Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vos será dado.
O evangelho deste domingo nos leva a refletir sobre a necessidade de permanecer no Cristo. A imagem da videira e dos ramos é muito clara e, ao mesmo tempo, sugestiva. Não é uma união meramente moral ou baseada num comungar opiniões semelhantes. Trata-se de uma união vital, da qual depende a vida espiritual daquele que crê. Pelo Batismo, fomos unidos não à uma ideia, mas à uma pessoa: Cristo. Formos mergulhados na sua morte e recebemos a promessa de participarmos da sua ressurreição. No Batismo, tornamo-nos “cristãos”, “outros Cristos”, tamanha a comunhão de vida que em nós foi gerada. Em cada Eucaristia, comungamos do seu Corpo e Sangue. Nossa vida é unida à Sua vida, à vida do Cristo. De modo espiritual e sacramental, isso é um fato. Mas como isso transborda, se realiza, em nosso cotidiano? É uma pergunta que deve incomodar a cada um e que não precisa ser respondida de uma só vez. Penso que esta é uma reflexão para todos os dias e para toda a vida.
A perícope termina com o v. 8: o Pai é glorificado quando damos muito fruto e nos tornamos discípulos de Cristo. Ora, se para dar frutos é necessário permanecer no Cristo, poderíamos dizer que o Pai é glorificado quando “permanecemos em Cristo”, tornando-nos seus “discípulos”.
Aqui poderíamos finalizar nossa reflexão unindo o Evangelho ao final da segunda leitura. Em 1Jo 3,24 lemos: Quem guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com Ele. Que ele permanece conosco, sabemo-lo pelo Espírito que Ele nos deu. Este versículo nos dá um critério para sabermos se estamos ou não permanecendo em Cristo. O critério é: se guardamos ou não seus mandamentos, ou seja, se vivemos ou não de acordo com a sua Palavra. Ao mesmo tempo, o versículo nos oferece a possibilidade de termos a confirmação de que Ele permanece conosco: ele permanece conosco em virtude do Espírito que d’Ele recebemos.
Ele permanece conosco, sempre! Peçamos a graça de também permanecer com Ele, a fim de que nos tornemos verdadeiros discípulos e venhamos a produzir muitos frutos.
[1] Assim o Tempo Pascal era designado por Santo Atanásio. Cf. Cartas Festais, I.