Jr 31,31-34
Sl 50 (51)
Hb 5,7-9
Jo 12,20-33
O Filho do Homem vai ser glorificado
Neste quinto domingo da Quaresma, acolhemos a Palavra de Deus neste trecho de Jo 12,20-33. Recapitulando o início deste capítulo do Evangelho de São João, nos recordamos que ele começa com a unção de Jesus em Betânia (12,1-11); em seguida, Jesus entra em Jerusalém e é aclamado pela multidão que grita “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel!” (12,12-19). Chegamos, então, ao centro deste capítulo, os vv. 20-28, onde Jesus vai declarar que é chegada a sua “hora”.
Este trecho do Evangelho começa com a menção de alguns gregos que, estando presentes em Jerusalém para a festa da Páscoa, desejam ver Jesus. Filipe os conduz ao mestre. É interessante notar que Jesus não dirige uma palavra aos gregos e nem mesmo a Filipe. João afirma que Jesus “lhes respondeu”, mas “a resposta” de Jesus não é propriamente uma “resposta”, mas, sim, um “anúncio”.
O v. 23 é uma espécie de introdução de todo esse “anúncio” de Jesus. Jesus afirma que a sua “hora” é, enfim, chegada. Essa é a hora da sua “glorificação”. A sua paixão será o momento máximo da sua revelação; a “hora das trevas” será, na verdade, a hora da mais plena luz, onde o projeto salvífico do Pai será levado a pleno cumprimento.
Logo em seguida, Jesus apresenta o mistério da sua morte tomando uma imagem presente no mundo judaico, a imagem do grão de trigo que é colocado na terra. Encontramos na literatura rabínica[1], a imagem do grão de trigo colocado na terra e que depois torna-se uma espiga, como um símbolo da ressurreição escatológica dos justos. Jesus utiliza-se desta imagem e mostra não somente a “necessidade” da sua morte, mas também o seu “fruto”: se morre, então produz muito fruto. Este versículo já antecipa, de certo modo, o que será dito no v. 32: quando for levantado da terra, atrairei todos a mim. A paixão de Cristo não é um sofrimento sem sentido. Seu sentido, seu fruto, está aí expresso: todos serão atraídos para Ele. Assim, Ele terá consumado a obra que o Pai lhe enviou para realizar (cf. Jo 17,4).
Os vv. 25-26 são uma palavra dirigida aos discípulos. No v. 25 os verbos “amar” e “odiar” são utilizados para mostrar o quão radical deve ser a adesão do discípulo ao seu Senhor: Quem ama a sua vida, perde-a; mas quem odeia sua vida neste mundo, conserva-la-á para a vida eterna. Com a expressão “neste mundo” João deixa claro que não se trata de odiar a vida em si. A vida é dom de Deus e quem poderia odiar o dom de Deus? Trata-se, outrossim, de não amar mais a sua vida “neste mundo” do que o Senhor, ou seja, de ser capaz de dar a sua vida por Cristo, na esperança de receber dele a “vida verdadeira”, a vida eterna, pois, como afirma o v. 26, onde “Ele estiver”, aí também estará “aquele que o serve” e, depois de sua paixão, Ele estará de novo na glória do seu Pai (cf. Jo 17,5). Em outras palavras: o discípulo deve acompanhar o mestre sempre, na cruz e na glória.
Nos vv. 27-28 encontramos o fechamento de uma seção do evangelho, onde o tema da hora de Jesus é de novo retomado, junto com o tema da sua glorificação. A “angústia” de Jesus não o faz fugir da sua hora, pois foi “precisamente” para esse momento que Ele veio: o momento de oferecer-se na cruz, para tornar-se causa de salvação para nós, que cremos (cf. segunda leitura).
Os versículos seguintes, ou seja, os vv. 29-33, já fazem parte de uma outra seção do capítulo doze, aquela que compreende os vv. 29-36, onde encontramos o forte apelo de Jesus a que seus ouvintes creiam. Este apelo culmina no v. 36: “Enquanto tendes a luz, crede na luz, para vos tornardes filhos da luz.” O trecho que nos é proposto neste domingo, termina, contudo, nos vv. 32-33, onde o fruto da “glorificação” de Jesus, ou seja, de sua morte redentora, é já anunciado: quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim. O evangelista acrescenta, no v. 33, um esclarecimento: Jesus falava assim para indicar de que morte iria morrer.
A Páscoa do Cristo, ou seja, sua Paixão e Ressurreição, é a expressão máxima da misericórdia do Pai pela humanidade. O tempo da misericórdia anunciado pelo profeta Jeremias, na primeira leitura, chegou para nós em Cristo. Se o grande rei Davi, no Salmo 50, pôde cheio de confiança suplicar a misericórdia de Deus, pedindo que este lhe criasse um “coração novo”, quando mais nós, tendo diante de nossos olhos o sacrifício de amor do Cristo, podemos nos aproximar também com confiança do Pai, que é “rico em misericórdia” (cf. Ef 2,4), e lhe suplicar neste tempo propício que Ele tenha piedade de nós, nos purifique de nossos pecados, “crie em nós” um coração novo e nos ajude a celebrar com alegria o Mistério da Páscoa do Cristo, que é, também, o “nosso Mistério Pascal”, uma vez que sua ressurreição é certeza da nossa.
Aproveitemos estes dias de Quaresma que ainda nos restam. Entreguemo-nos à oração, à escuta da Palavra de Deus e busquemos, também, o sacramento da reconciliação, esse abraço da misericórdia divina que nos devolve a alegria de sermos filhos reconciliados com Deus. Assim estaremos nos preparando para celebrar bem a grande solenidade pascal, centro da nossa fé, centro de todo o ano litúrgico.
[1] Cf. Sanhedrin 62B.