At 6,1-7
Sl 32
1Pd 2,4-9
Jo 14,1-2
Eu sou o Caminho
Este tempo da Páscoa do Senhor que estamos vivendo, no dizer de Santo Atanásio, deve ser celebrando como se fosse “um único grande Domingo”[1], no qual mantemos acesa em nosso coração a chama da alegria pascal, tal qual permanece aceso em nossas Igrejas o círio pascal, abençoado na noite da Grande Vigília, sinal do Cristo Ressuscitado, luz do mundo, que permanece para sempre conosco.
A instituição dos “diáconos”
Neste tempo da Páscoa, acompanhamos a leitura dos Atos dos Apóstolos. Neste livro, São Lucas nos mostra como a Igreja nascente, a partir do Mistério da Páscoa e do seu coroamento no grande dia de Pentecostes, se expandiu, guiada pelo Espírito Santo.
No trecho lido hoje nos é narrada a instituição dos “sete diáconos”, embora Atos dos Apóstolos não use esta nomenclatura.[2] Lucas fala da eleição de sete homens de boa fama, repletos do Espírito Santo e de sabedoria, que passam a participar do múnus dos apóstolos, servindo primeiro às mesas e, depois, pregando com ardor o Evangelho de Cristo, como pode ser visto mais adiante, pelo menos com relação a Estêvão e Filipe.
O trecho lido hoje termina dizendo: …a Palavra do Senhor se espalhava. O número dos discípulos crescia muito em Jerusalém, e grande multidão de sacerdotes judeus aceitava a fé (cf. At 6,7). A Palavra do Senhor se espalhava e o número dos discípulos crescia, porque o Ressuscitado estava agindo, na força do seu Espírito, através dos seus apóstolos. É o mistério da Igreja que cresce e se expande, conforme o Senhor havia prometido em Mt 13,31-32: um grão de mostarda que, ao ser lançado na terra, se torna uma grande árvore, e nela os pássaros vem se abrigar.
Esses pássaros que vêm se abrigar à sombra da Igreja somos nós, cristãos de todas as partes do mundo que, com o salmista, proclamamos: “Reta é a Palavra do Senhor e tudo o que ele faz merece fé” (Cf. Sl 32,4). Sim, a Palavra do Senhor é reta, nos indica um caminho seguro por onde devemos seguir, e não falha nunca, mas se realiza sempre. Cristo nos prometeu a expansão da Igreja, sinal do seu Reino aqui na terra, e Atos dos Apóstolos nos mostra como desde o início, não pela força dos homens, mas de Deus mesmo, a Igreja seguiu crescendo e o Evangelho pouco a pouco foi encontrando acolhida no coração dos homens de boa vontade.
Cristo, fundamento da Igreja
Cristo é o fundamento da Igreja, a pedra rejeitada, mas que se tornou Pedra Angular. Na segunda leitura o apóstolo Pedro chama a Igreja de “edifício espiritual”. Mas todo edifício deve ter uma base, um alicerce. Este alicerce deve ser firme, para que o edifício se sustente.
O edifício espiritual da Igreja tem um fundamento: Cristo. Ele é a pedra angular. Foi rejeitado, foi morto, foi crucificado… Contudo, morrendo, destruiu a morte. Ressuscitou dos mortos e está vivo para sempre e tornou-se a pedra angular que dá sustento a todo o edifício da Igreja. Sem ele, ficamos reduzidos a escombros. A Igreja se mantem de pé, firme, justamente porque Cristo é o seu fundamento.
Cristo quis nos reunir a Ele. A segunda leitura de hoje termina afirmando que somos a “raça escolhida”, o “sacerdócio do Reino”, a “nação santa”, o “povo que ele conquistou”, um povo chamado das trevas para a sua luz maravilhosa.
Cada ano, por ocasião da celebração da vigília pascal, somos convidados a fazer um gesto ritual que significa justamente essa passagem das trevas para a luz de Cristo. Reunidos fora da Igreja acendemos um fogo novo. Nesse fogo se acende o círio pascal, sinal do Cristo, luz do mundo, que caminha à nossa frente. Pouco a pouco acendemos as velas, que nos simbolizam, e entramos passo a passo no Templo, símbolo da Jerusalém Celeste, que vai aos poucos se iluminando.
Essa ação ritual constitui para nós um símbolo do que nos é afirmado hoje, na segunda leitura. Cristo, luz do mundo, nos chamou das trevas, para a sua luz maravilhosa. No Batismo, fomos por ele iluminados. Contudo, no decorrer da nossa vida, muitas vezes voltamos as nossas costas para a luz e decidimos caminhar, de novo, em meio às trevas. Cristo, contudo, não nos abandona. Ele nos chama de novo. E sempre deseja nos fazer sair das trevas do erro e da ignorância, a fim de que possamos participar cada vez mais plenamente da gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
Cristo, único caminho
O evangelho constitui o centro de toda a liturgia da Palavra. Hoje ouvimos uma parte de Jo 14. Alguns autores costumam chamar o conjunto que vai de Jo 13,33 a 17,26 de “discursos de adeus”. O trecho lido hoje, 14,1-12, está dentro de um conjunto maior, que vai de 13,33 a 14,31. Logo depois da ceia, Jesus começa a falar para os seus a respeito da sua partida iminente.
O trecho que nos é proposto hoje começa com uma palavra de consolação de Jesus aos seus discípulos: “Não se perturbe o vosso coração”. Diante da chegada da sua “hora”, ou seja, do mistério da sua paixão, Jesus quer mostrar aos discípulos a importância de se manter firme na fé e de crer que a sua morte não terá a última palavra, afinal a morte não tem mais a última palavra. Cristo fala que vai, mas vai preparar um lugar para os seus. Ele voltará, e levará consigo os que são dele. Junto com sua partida, Cristo anuncia também sua vinda gloriosa.
O v. 4 introduz o tema do caminho: “…para onde eu vou, vós conheceis o caminho”. Tomé vai tomar a palavra, para perguntar a Jesus sobre este tal “caminho” e isso dará ocasião a Jesus de se apresentar como “o caminho”, “a verdade” e “a vida” (v.6). Este versículo constitui como que o centro de todo o trecho evangélico proclamado neste domingo: não há acesso ao Pai, senão por meio do Filho, que abriu-nos esse mesmo acesso.
Nos versículos seguintes (7-11) Jesus se apresenta como “sacramento primordial do Pai”, no sentido de quem o vê, tem acesso ao Pai que é invisível. Neste trecho é Filipe quem toma a palavra. Ele quer que Jesus lhe mostre o Pai. Jesus vai afirmar que o Pai pode ser visto nele, porque ele está no Pai e o Pai está nele. Os discípulos devem crer por causa das obras, dos sinais que Jesus realiza, afinal eles têm em vista confirmar a sua Palavra.
Cristo é o “sacramento primordial”, ou seja, quem o vê, verdadeiramente vê o Pai, porque Ele e o Pai são um. De Cristo, sacramento primordial e radical, brotam os outros sacramentos, que nos fazem participar nos diversos momentos da nossa existência do Mistério Pascal do mesmo Cristo. Assim como, olhando para o Cristo, os discípulos podiam ter acesso ao Pai, que é invisível, do mesmo modo, olhando, contemplando os sacramentos e recebendo-os, recebemos o próprio Cristo, participamos do mistério da Sua Páscoa, até que ele venha.
O trecho do evangelho deste domingo termina com um chamado à fé: quem crê em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas. Pois eu vou para o Pai. A Igreja segue realizando ainda no mundo de hoje grandes sinais. Isso acontece como realização desse dito de Jesus. Ele foi para o Pai e voltará no fim dos tempos, mas Ele nunca deixou de “estar no meio de nós”. Coisas grandes a Igreja realiza, porque em seu meio está aquele que é grandioso, o superexaltado (Fl 2,6-11), Cristo Ressuscitado, vivo e glorioso, que age na Igreja e por meio da Igreja.
[1] “Jam cum nobis id tempus sit futuri mundi symbolum, magnam dominicam celebrabimus, arrham hic futurae illius capientes.” Já que para nós este tempo vem a ser um símbolo do mundo futuro, o celebraremos como um grande domingo, sabendo que este (grande domingo) é penhor daquele outro futuro. (Santo Atanásio – Ep. I,10 – Ano 329 – PG 26,1366).
[2] ROMER, Karl Josef. Minha alegria esteja em vós. São Paulo: Ed. Canção Nova, pp. 90-91.