Is 7,10-14
Sl 23
Rm 1,1-7
Mt 1,18-24
…tu lhe porás o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados! (Mt 1,21)
A Igreja celebra hoje o quarto domingo do Advento. Neste quarto domingo, a liturgia da Palavra nos conecta mais propriamente com o mistério do nascimento de Cristo que estamos para celebrar. A primeira leitura e o Evangelho se unem perfeitamente: profecia e cumprimento.
Na primeira leitura, nos é apresentado o sinal do Emanuel. O rei está com o coração agitado. Surge diante dos seus olhos uma grande ameaça de invasão estrangeira. Lemos em Is 7,2 que, diante de tal ameaça, agitou-se o coração do rei e o coração do povo, como se agitam as árvores da floresta com a força do vento. O verbo traduzido aqui como “agitar-se”, pode significar, no hebraico, “tremer”, “vacilar”, e aparece algumas vezes para indicar um grande terror que se abate sobre alguém (cf. Ex 20,18).
No meio desta cena tão terrível, entra a palavra apaziguadora de Deus, que é enviada ao rei por meio do profeta Isaías. Este insiste para que o rei peça a Deus um sinal que desperte sua confiança. Contudo, diante da sua negativa em pedir tal sinal, o profeta afirma que Deus mesmo lhe dará um sinal: a “virgem” ou jovem, segunda uma tradução a partir do texto hebraico, ficará grávida e dará à luz um filho. Seu nome é pleno de significado: ele se chamará “Emanuel”. Tal nome significa: Deus está conosco. Esse nascimento servirá para o rei como um sinal de que o povo não está só, mas Deus está com seu povo. Tal profecia realiza-se de modo pleno no Novo Testamento. Já a tradução grega de Isaías reinterpretou a profecia, percebendo que a “jovem/donzela” à qual se referia o profeta seria uma “virgem”. É a partir desta tradução de Mateus cita Isaías no início do seu Evangelho.
Mateus pinta com maestria o quadro do evangelho que estamos contemplando. O evangelista quer nos apresentar a origem de Jesus. Para que o seu Unigênito entre na história dos homens, Deus pede a colaboração dos homens. O Pai escolhe Maria para ser a mãe e José para ser o pai adotivo de Jesus. Maria está prometida em casamento a José. De repente, a Virgem aparece grávida pela ação do Espírito Santo. José não entende o mistério, mas, sendo justo, resolve deixar Maria em segredo. Ele não quer entregar Maria nas mãos da justiça dos homens.
Enquanto assim pensava, nos diz Mateus, o Anjo do Senhor lhe apareceu em sonho, como aconteceu outrora com os patriarcas (cf. Gn 28,10-19), para lhe explicar o mistério. Com doçura o anjo explica a José o que havia acontecido: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados.”
“(…)tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”. O anjo explica a José que o nome do menino designa o sentido da sua vinda e missão, tal como faz Isaías na primeira leitura. Jesus é a forma grega do nome Yehôshuah (cf. Js 1,1), que significa “Deus salva”. O seu nome significa salvação, e a sua entrada na história dos homens assumindo em si a vida humana realiza a salvação dos homens.
“(…)tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”. Jesus veio realizar a nossa salvação. Penso que para entendermos o que é salvação precisamos recorrer ao que os antigos entendiam como salvação. Existe um documento, do século segundo, chamado “Carta a Diogneto”. Um trecho desse documento, lido sempre no Ofício das Leituras do dia 18 de dezembro, diz “Ó doce intercâmbio, ó misteriosa iniciativa, ó surpreendente benefício, ser a iniquidade de muitos vencida por um só justo e a justiça de um só justificar muitos ímpios!”
A salvação, realizada para nós na Encarnação do Verbo, é este doce intercâmbio, essa misteriosa iniciativa, esse surpreendente benefício. A salvação é um doce intercâmbio, porque foi uma troca fabulosa, na qual Deus não ganhou nada e nós recebemos tudo. Ao assumir a nossa humanidade, Cristo recebeu do que era nosso e nos deu do que era d’Ele. Ao assumir a nossa carne Cristo nos tocou para sempre com a sua divindade e nos abriu as portas do Reino.
A salvação do homem é uma “misteriosa iniciativa”, porque Deus poderia ter-nos feito como todas as demais criaturas. Deus não precisa do homem para se realizar. Todavia, Deus quis associar o homem à sua alegria. Deus quis criar o homem para introduzi-lo nela.
Ó surpreendente benefício! Não somente fomos chamados à existência, a uma existência fabulosa, mas fomos elevados para participar da própria vida de Deus. Nem o pecado fez Deus voltar atrás nos seus planos e deixar de associar à sua alegria a sua criatura.
Este tremendo benefício só Deus poderia nos conceder. E, de fato, no-lo concedeu em Cristo. Em Cristo, nós que havíamos caído do Paraíso ao Inferno, fomos elevados bem mais alto, para o verdadeiro Paraíso, para a glória dos bem-aventurados.
Jesus veio para realizar a nossa salvação. Nele a profecia de Isaías se cumpre plenamente, conforme afirma o Evangelista (cf. Mt 1,23): “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus está conosco.”
Abramo-nos ao anúncio do anjo do Senhor que vem também nos introduzir no Mistério que estamos para celebrar. Entremos, como José, na dinâmica do mistério. Contemplemos esse “doce intercâmbio”, essa “misteriosa iniciativa”, esse “surpreendente benefício”. Entremos na alegria da salvação. Nos alegremos porque Deus está conosco e nos enviou salvação e paz através do seu Filho.
Elevemos, bem mais alto, como nos convida o salmista, as portas do nosso coração, para que o Rei da Glória possa entrar!