1ª Leitura: 1Sm 16,1b.6-7.10-13a
Sl 22 (23)
2ª Leitura: Ef 5,8-14
Evangelho: Jo 9,1-41
“Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.” (cf. Jo 9,5)
A primeira leitura e o evangelho que hoje ouvimos nos mostram que a iniciativa salvífica é sempre de Deus. Na primeira leitura ouvimos que “o Senhor disse a Samuel: Enche o chifre de óleo e vem para que eu te envie à casa de Jessé de Belém, pois escolhi um rei para mim entre os seus filhos”. O evangelho, por sua vez, nos narra que “Ao passar, Jesus viu um homem cego de nascença” e tomou, então, a iniciativa de se aproximar desse cego para oferecer-lhe a cura. A primeira leitura e o evangelho querem nos mostrar, então, que a iniciativa salvífica é sempre de Deus. Tanto na unção de Davi, prenúncio da vinda do Messias, quanto na iluminação do cego, prenúncio do batismo cristão, é sempre Deus quem toma a iniciativa.
Nos chama atenção ainda, no relato da unção de Davi, a palavra que Deus dirige a Samuel quando este pensa que Deus havia escolhido Eliab, por causa da sua aparência. Deus diz a Samuel: “Não olhes para a sua aparência nem para a sua grande estatura, porque eu o rejeitei. Não julgo segundo os critérios do homem: o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração”. Deus tem uma visão diferente da visão do homem. Deus vê o núcleo profundo e a realidade última das coisas e das pessoas. O homem, ao contrário, vê apenas a aparência e, por isso, seus critérios nem sempre são válidos para Deus. Só Deus, que vê com clareza, pode emitir critérios válidos, capazes de guiar a vida dos homens.
Nós nascemos nas trevas. Nos diz o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona: “Cegos também nós nascemos de Adão, e precisamos ser iluminados pelo Senhor.”[1] Nascemos cegos! O pecado de Adão o deixou cego, incapaz de ver as coisas com clareza. Adão depois do pecado ficou escravo da aparência das coisas. Vendo somente a aparência das coisas, o homem não é mais capaz de, sozinho, discernir seus caminhos. Quando ele o tenta fazer, sempre escolhe caminhos de morte. Por isso, Cristo vem para iluminar o homem.
O pecado original fez com que em Adão os sentidos espirituais perdessem a sua sensibilidade. Nascemos com os sentidos físicos, mas aqueles espirituais, dos quais os físicos são apenas sinais sensíveis, se tornaram inertes em nós. Assim, embora tenhamos olhos, somos incapazes de enxergar, estamos privados da luz. Cristo vem, então, para fazer os cegos enxergarem.
Cristo toma a iniciativa de ir ao encontro do cego de nascença. Ele realiza um gesto simbólico: faz um pouco de lama com sua saliva e a aplica nos olhos do cego, mandando depois que Ele fosse lavar-se na piscina de Siloé. Ao lavar-se, o cego recupera a vista, e sua cura milagrosa chama a atenção de todos os presentes, inclusive dos fariseus que querem a qualquer custo abafar o milagre de Jesus. O cego não aceita a atitude dos fariseus que querem negar o milagre. Ao contrário, afirma com convicção que foi curado e que acredita que Aquele que o curou vem da parte de Deus, porque “Deus não ouve os pecadores”, mas a este Deus ouviu e realizou o que Ele havia pedido. Depois de ser, enfim, expulso da sinagoga, o cego encontra de novo Jesus, que completa o milagre, dando ao cego de nascença a luz verdadeira, a luz da fé. “Acreditas no Filho do Homem?” É a interpelação do Messias. “Quem é, Senhor, para que eu creia nele?” É a resposta daquele que era cego e mendigo e que agora já pode ver a luz. “Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo”, responde o Messias. “Eu creio, Senhor!”, afirma finalmente aquele que era duplamente cego, no corpo e no espírito, e que agora não somente enxerga a luz desse mundo, mas também vê com os olhos da fé o Cristo, “luz da vida”.
Nós também somos cegos e mendigos. Nascemos mergulhados nas trevas do pecado e incapazes de ver as coisas na sua realidade última. Vemos só a aparência, como disse Deus a Samuel na primeira leitura. Somos mendigos. Esperamos aqui e ali receber algo dos outros, porque não conseguimos ver Aquele que é o doador de todos os bens, e que só pode ser visto e reconhecido pela luz da fé. Cristo veio para nos iluminar. Os primeiros cristãos chamavam o batismo de “iluminação”. No batismo fomos iluminados por Cristo. Cristo é a luz que ilumina todo homem que vem a este mundo. Ele nos faz ver o coração das coisas. Cristo nos faz olhar além das aparências. Ele é a luz que ilumina as nossas trevas. Devemos aprender a olhar o mundo e as pessoas através de Cristo, que é a luz capaz de dar clareza à nossa visão.
Iluminados por Cristo, devemos seguir o que nos diz o Apóstolo na segunda leitura: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz”. Antes de sermos iluminados por Cristo éramos trevas. Agora que Ele nos iluminou somos “luz no Senhor”. Somos chamados a “viver como filhos da luz”. O Apóstolo ainda nos diz “Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará”. O Apóstolo nos lembra a realidade de quem nós somos. Nós somos “luz no Senhor”. Devemos viver de acordo com aquilo o que nos tornamos no dia do nosso batismo. Se nós nos tornamos “luz no Senhor”, devemos viver como “filhos da luz”. Antes, dormíamos no pecado; estávamos mortos. Cristo nos despertou com a sua Palavra; Cristo nos ressuscitou, fazendo-nos, no batismo, passar da morte para a vida. Cristo nos iluminou e agora devemos viver como filhos da luz.
Sigamos o Cristo-Luz. Deixemo-nos iluminar por Ele. Quem o segue não caminha nas trevas, mas tem a luz da vida (cf. Jo 8,12).
[1] Cf. Tratado sobre o Evangelho de São João. In: Liturgia das Horas, vol. II, p. 245.