1ª Leitura: At 5,27b-32.40b-41
Sl 29
2ª Leitura: Ap 5,11-14
Evangelho: Jo 21,1-19
Simão, filho de João, tu me amas? (Jo 21,15)
Neste terceiro domingo da Páscoa, a primeira leitura, do livro dos Atos dos Apóstolos, nos apresenta o discurso de Pedro diante do Sinédrio. Esta leitura conecta-se com o Evangelho, pois este nos fala da experiência que os discípulos e, em especial, Pedro, têm com o Ressuscitado. Ao ser questionado pelo Sinédrio sobre a sua insistência em pregar a Palavra de Cristo, mesmo depois de terem sido advertidos que não deveriam fazê-lo (At 4,18), Pedro se reporta justamente à Ressurreição e fala da sua experiência com o Cristo Ressuscitado: “O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus (…) E disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo…” (At 5,30.32).
Não é o sucesso da pregação, nem tampouco o grande número dos convertidos que anima Pedro e os apóstolos a continuarem anunciando o Evangelho. O que os anima e fortalece é a sua experiência com o Ressuscitado, uma experiência tão forte e significativa, que não podia ficar no passado, como uma mera lembrança. Afinal, eles sabiam e acreditavam firmemente que o Ressuscitado continuava caminhando com eles e era Ele mesmo quem agia, tanto nas Palavras que eles proferiam, quanto nos sinais que eles realizavam.
O evangelho que hoje ouvimos, a terceira aparição do Ressuscitado aos discípulos, nos coloca na cena dessa experiência fundante que plasmou toda a vida dos apóstolos. É um texto rico em seus detalhes.
Em primeiro lugar, percebemos que o início do Evangelho nos lembra o chamado dos primeiros discípulos em Lc 5. Foi também num contexto de pesca milagrosa que o Senhor chamou a Pedro e seus companheiros para que o seguissem. Assim como os discípulos de Emaús estavam retornando para sua terra de origem com o rosto sombrio (Lc 24,17), aqui os apóstolos estão indo pescar, mas se pode presumir neles um clima de tristeza, como se nada lhes restasse senão voltar ao que faziam antes. Assim pode acontecer, também, na vida de cada um de nós. No meio da decepção de uma meta não alcançada, queremos voltar ao barco e às redes que deixamos para trás. Contudo, retornamos com pesar, porque sentimos que isso não mais nos satisfaz. O texto parece nos sugerir o mesmo sentimento presente no coração dos discípulos. Eles voltam para o Mar de Tiberíades, vão pescar junto com Pedro, mas essa pesca não mais os satisfaz. Eles não querem mais ser simples pescadores, afinal o Senhor os havia chamado para ser “pescadores de homens” (Mt 4,19; Mc 1,17).
Lançam as redes e, como em Lc 5, estas retornaram para eles vazias. Uma noite de trabalho inútil. Quando as trevas irrompem, na praia está Aquele que é a própria Luz. Com a presença do Ressuscitado, as trevas se rompem e Ele traz uma nova luz para os discípulos. Percebendo-lhes o fracasso, a vergonha e a incapacidade de reconhecê-lo, Ele, seu Mestre e Senhor, manda que eles lancem a rede mais uma vez, à direita da barca. O sinal é claro e, talvez, relembra aos apóstolos o momento da vocação (Lc 5,4). Com a pesca abundante, o discípulo a quem Jesus amava não duvida e exclama: “É o Senhor!” O Vivente, Deus mesmo, o Kyrios! Simão toma a frente dos outros e, cobrindo-se de sua nudez semelhante à de Adão, atravessa o mar da morte e chega à margem onde está Aquele que é a própria vida.
Do mesmo mar onde havia brotado a decepção, pelo poder da Palavra do Ressuscitado, brota esperança, um sinal de vida e salvação. O Cristo, num gesto eucarístico, partilha com eles o pão e os peixes. Como num estado de grande paz eles não ousam perguntar nada, porque sabem que é o Senhor. Os apóstolos estão como que embebidos da presença do Ressuscitado. Ninguém diz nada. Sentem-se seguros. O Espírito lhes revelara interiormente que era o Senhor.
A figura de Pedro predomina nesta perícope. Ele sustenta a rede. Ele é o pescador de homens. Com Pedro, a rede, apesar de cheia, não se rompe. Não se trata de um poder pessoal, mas de um dom do ressuscitado para a Igreja. Pedro é aquele que sustenta a unidade. Na continuação deste evangelho, Pedro será investido de forma tríplice no pastoreio do rebanho.
Estranhamos a pergunta inicial de Cristo: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” O Cristo que pregou sempre a unidade dos apóstolos e que os repreendia quando queriam saber quem era o maior, agora quer fazer Pedro demonstrar um amor maior do que o dos outros? Só entendemos esta frase do evangelho quando a lemos em conexão com Lc 7. Em Lucas 7, Jesus conta ao fariseu Simão, que o criticava por permitir que uma prostituta lavasse seus pés, a parábola sobre dois servos, que deviam respectivamente 50 e 500 denários ao seu patrão. Jesus afirma que amará mais o patrão aquele a quem foi perdoada a maior dívida. Pedro possuía uma grande dívida, porque não somente abandonou o mestre, mas também o negou. Pedro, todavia, experimentou uma grande misericórdia, porque não somente foi perdoado, mas também a Ele foi confiada a missão de estar à frente dos doze e ser para eles um sinal de unidade. Muito foi perdoado a Pedro, por isso ele deve demonstrar maior amor. Cristo dá a Pedro a tríplice oportunidade de se redimir de sua negação, afirmando três vezes o seu amor. Cristo também três vezes o confirma na sua função de pastorear as suas ovelhas.
Este passo do evangelho termina com o convite dirigido a Pedro: “Segue-me”. Esse convite também é dirigido a nós que ouvimos sua Palavra. Devemos segui-lo, mas sabendo que segui-lo significa entrar no mistério da sua Páscoa, significa não ir atrás apenas dos seus sinais prodigiosos. Segui-lo significa ser capaz de, como Ele, oferecer a própria vida em sacrifício e demonstrar grande amor, porque “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15,13). Segui-lo significa estar dispostos a irmos com Ele para o calvário, a fim de sermos também com ele ressuscitados.
Ele “transformará o nosso pranto em uma festa”, podemos exaltá-lo, como nos convida o salmista, porque Ele já nos livrou do pecado e da morte. Podemos caminhar com Ele até o calvário, porque Ele nos livrará do sono da morte e nos introduzirá na grande e eterna Páscoa preparada para nós em seu Reino. Que a certeza da Ressurreição e da vida eterna enche nosso coração de alegria neste “Grande Domingo” que é o Tempo Pascal.