1ª Leitura: Dn 12,1-3
Sl 15
2ª Leitura: Hb 10,11-14.18
Evangelho: Mc 13,24-32
“E verão o Filho do Homem vindo entre as nuvens” (cf. Mc 13,26)
Aproximando-se o fim do ano litúrgico, a liturgia apresenta aos fiéis alguns textos classificados como “escatológicos”, ou seja, que apontam para o fim da história como a conhecemos e para a instauração definitiva do Reino de Deus no meio da humanidade.
A primeira leitura de hoje é um trecho do livro de Daniel. Daniel – que, em hebraico, significa Deus julga – é a personagem principal desta obra. O livro no seu conjunto pertence ao gênero literário chamado de apocalíptico. O autor da obra mostra toda a história de Israel de maneira simbólica, daí a simbologia das feras e outras imagens fantásticas que aparecem no livro. O objetivo do autor era anunciar aos seus irmãos do século II a.C. que a libertação estava para chegar, que o Messias viria salvar Israel, que desde o exílio da Babilônia sofria constantemente com os domínios consecutivos de diversos povos estrangeiros.
O trecho do livro de Daniel que ouvimos hoje poderia ser dividido em quatro partes. Na primeira parte do v.1 encontramos a descrição do fim: “Naquele tempo, se levantará Miguel, o grande príncipe, defensor dos filhos de teu povo; e será um tempo de angústia, como nunca houve até então, desde que começaram a existir nações.” O autor sagrado descreve com imagens próprias da apocalíptica judaica o fim desta fase da história da humanidade. Será um tempo de “angústia”. O termo hebraico utilizado para indicar “angústia” associado ao termo hebraico utilizado para indicar “tempo” pode ser entendido como uma locução, que traduzida pode significar “um momento crítico”.[1] Sendo assim, a primeira parte do v. 1 aponta para o fim da história como um momento de crise, quando tudo deve ser desvelado, quando os segredos dos corações e o sentido da história devem ser vistos de maneira clara.
A segunda parte do v. 1 é uma promessa de salvação: “Mas, nesse tempo, teu povo será salvo, todos os que se acharem escritos no Livro”. Embora o texto comece apontando para o momento crítico no qual a história deve chegar a seu termo, ele traz também uma promessa de salvação de Deus para aqueles que são parte do seu povo. O texto apresenta a imagem do Livro, onde estão escritos os nomes dos eleitos. Essa imagem também aparece no Novo Testamento, dentro do livro do Apocalipse (cf. Ap 20,12).
Os vv. 2 e 3 desta perícope apresentam a forma do juízo. No v. 2 o autor sagrado fala que todos despertarão, contudo uns para o castigo e outros para a bem-aventurança. O v. 3 encerra, por fim, a promessa de salvação para os que tiverem sido “sábios” e tiverem ensinado a muitos “o caminho da virtude”. Esses “brilharão como o firmamento”, “brilharão como as estrelas eternamente”. Uma promessa de glória e eternidade está reservada para quem guarda a sabedoria e ensina aos homens o caminho da virtude.
O trecho de Marcos proclamado neste domingo pertence ao chamado “discurso escatológico de Jesus”. Na primeira parte (cf. Mc 13, 24-27), tomando imagens de Dn 7,13-14, Jesus apresenta como será o fim desta fase da história da humanidade. Ele aplica a si mesmo a imagem do Filho do Homem que aparece em Daniel. Em Daniel temos a aparição desta figura misteriosa que parece ser portador do juízo de Deus. É aqui, à luz deste texto do Evangelho que essa imagem se esclarece de maneira plena. O Filho do Homem apresentado em Daniel é, na verdade, o Cristo, aquele que veio, que morreu e ressuscitou por nós, que está à direita do Pai, mas que, de acordo com a sua promessa, deverá retornar no fim dos tempos, agora com grande “poder” e “glória” para reunir os “eleitos de Deus”.
A segunda parte do evangelho (cf. Mc 13,28-32) apresenta a imagem da figueira. Jesus convida os seus ouvintes a observarem os sinais dos tempos. Quando a figueira começa a brotar, o verão está perto. Assim, também nós devemos saber observar os sinais, não da figueira, mas do tempo presente e percebermos neles que já estamos vivendo os “últimos tempos”. O texto deste evangelho apresenta certa tensão escatológica. No v. 30 parece que o fim será iminente: “esta geração não passará até que tudo isso aconteça”. Contudo, um pouco mais à frente, Jesus demonstra que o tempo desses acontecimentos é algo oculto no seio da Trindade, porque Ele afirma que este dia e esta hora só são conhecidos pelo “Pai”.
Assim, ao afirmarmos que estamos vivendo os “últimos tempos” isso não significa que o fim do mundo será agora ou daqui a pouco tempo. Quando falamos de “últimos tempos” nos referimos a esta última fase da história da salvação, onde toda a revelação do Pai para nós já nos foi dada em Cristo Jesus e onde esperamos apenas a sua vinda que, justamente por ser repentina, exige de nós uma vida de constante vigilância. Podemos olhar particularmente para Mc 13,31 onde Jesus afirma que tudo passará, menos a sua Palavra. É por isso que não podemos colocar a nossa segurança em realidades desse mundo, porque tudo o que é desse mundo passa, só a Palavra não passa. Por isso, nela, na Palavra de Cristo que é Cristo mesmo, está a nossa segurança.
Por fim, o trecho do escrito aos Hebreus que nos é apresentado como segunda leitura nessa liturgia da Palavra, nos apresenta a imagem do Cristo Sacerdote, aquele cujo sacrifício único e perfeito nos alcançou o perdão. O v.11 acentua a repetição dos sacrifícios que os sacerdotes da antiga aliança deveriam fazer. Essa repetição é entendida pelo autor do escrito como prova da sua ineficácia, uma vez que eles eram “incapazes de apagar o pecado”. O sacrifício de Cristo, por sua vez, é entendido como o sacrifício eficaz, realizado uma única vez. Todos os que aderimos a Cristo pela fé recebemos a graça de sermos santificados graças ao sacrifício de Cristo.
Aproveitemos esta “tensão escatológica” que os textos bíblicos destes últimos domingos do ano litúrgico nos apresentam para rever a nossa vida e, para compreender de maneira mais profunda, que vivemos na expectativa do mundo que virá, da vida eterna junto do Senhor para a qual tendemos. É essa a perspectiva que deve guiar cada uma das nossas atitudes, e que cada domingo, Páscoa Semanal, oitavo dia, seja para nós uma pequena experiência do dia eterno e sem fim, no qual estaremos para sempre com o Senhor.
[1] Cf. Alonso-Schökel, L. Dicionário Hebraico-Português. Paulus, p. 566.